Cuidar do doente e curar a doença

O cuidado dos enfermos foi uma das principais ocupações de Jesus, como narram os Evangelhos. São Marcos, de maneira especial, mostra como os doentes são levados a Jesus em grande número, aonde quer que Ele chegasse para anunciar a Boa-Nova do Reino de Deus.
Por Odilo Pedro Scherer*

No dia 11 de fevereiro, a Igreja celebra, todos os anos, o Dia Mundial do Enfermo. A data coincide com a comemoração litúrgica de Nossa Senhora de Lourdes, e não é sem motivos. O santuário edificado no lugar das aparições de Nossa Senhora à jovem Bernadette Soubirous se tornou meta de peregrinação para numerosos doentes de todo tipo de enfermidades, que para lá acorrem a fim de buscar a cura de seus males. E as histórias de curas milagrosas nas águas da fonte milagrosa do santuário são abundantes.

O cuidado dos enfermos foi uma das principais ocupações de Jesus, como narram os Evangelhos. São Marcos, de maneira especial, mostra como os doentes são levados a Jesus em grande número, aonde quer que Ele chegasse para anunciar a Boa- -Nova do Reino de Deus. Ainda no domingo, dia 7 de fevereiro, lemos como Jesus curou a sogra de Pedro e, no anoitecer daquele dia, “levaram a Jesus todos os doentes e possuídos pelo demônio. Jesus curou muitas pessoas de diversas doenças e expulsou muitos demônios” (Mc 1,33-34). Os milagres, sobretudo as curas, são sinais de que o Reino de Deus chegou.

Cuidar dos doentes também foi uma das missões que Jesus deu aos apóstolos, quando os enviou em missão (cf. Mc 16,18). E foi o que os apóstolos e discípulos fizeram desde logo: anúncio do Evangelho, celebração da Eucaristia e cuidado dos enfermos são ações que aparecem juntas com muita frequência nos textos da Igreja dos tempos apostólicos. Também nos séculos seguintes, até os nossos dias, a Igreja dedicou especial atenção aos doentes. Ela aprendeu isso de Jesus e levou a sério, desde logo, a sua ordem. Por isso, também em nossos dias, há tanta insistência no cuidado dos doentes, quer de maneira organizada, por meio da Pastoral dos Enfermos, quer de maneira pessoal. Nem poderia ser diferente.

A pessoa doente faz a experiência da sua fragilidade e do próprio limite. Esse é um momento muito importante na vida, em que a pessoa é levada a se questionar sobre o sentido da vida e da morte, sobre Deus e a própria relação com as realidades sobrenaturais. A enfermidade é ocasião para se abrir a Deus e para crescer na fé; mas, também, pode ser ocasião para mergulhar nas trevas do desespero. A pessoa doente precisa de quem lhe dê força e a ajude a enfrentar esse momento.

Na sua mensagem para o Dia Mundial do Enfermo deste ano, o Papa Francisco recomenda algumas atitudes importantes no cuidado dos doentes: não apenas focar a cura da doença, o que é importantíssimo, sem dúvida. Podemos confirmar, com quanta ansiedade todos nós esperamos que a ciência e o zelo de quem toma decisões consigam, finalmente, vencer a pandemia de COVID-19 e a sua causa. Curar a doença é importantíssimo.

Mas não existe apenas a doença, como tal: existem as pessoas doentes, e elas são muitíssimas e têm nome e rosto, muitos rostos! Sentem dores, desconfortos, angústias, esperanças; têm afetos, relações familiares e sociais, estão inseridas num contexto cultural, possuem histórias pessoais, projetos na vida, pertencem a um grupo, a um povo; creem em Deus, têm religião, ou talvez não...

E aqui se abre um mundo de oportunidades para exercer a proximidade e a solidariedade para com os enfermos. Os profissionais da Saúde fazem a sua parte, mas o doente também precisa de outros cuidados, que que os profissionais da Saúde não têm como atender. O Estado, por meio de suas estruturas e políticas, tem o dever de promover o melhor para a saúde dos cidadãos, mas ele não é pai nem mãe, não é irmão, marido ou esposa, avó, tio ou primo; não é padre, diácono, religiosa ou religioso, nem ministro da Sagrada Comunhão... O Estado não substitui a comunidade de fé, movida pelo mandato de Cristo e pelo amor ao próximo. Esse dever de proximidade humana e religiosa é nosso: dos cidadãos, parentes, vizinhos, amigos, colegas de trabalho, pessoas da comunidade que creem em Deus e rezam...

O Papa recomenda a proximidade pessoal e comunitária em relação aos enfermos, que não precisa ser física, necessariamente. De muitas maneiras, podemos estar próximos dos enfermos e manifestar isso a eles. Imagino que uma das experiências mais dolorosas da vida seja a de se sentir abandonado e esquecido de todos durante a enfermidade. Mesmo com o necessário distanciamento físico, que a pandemia provocada pelo coronavírus nos impõe, é possível encontrar modos e gestos para manifestar a proximidade aos enfermos. Mais uma vez, trago as palavras do Papa: “Uma sociedade é tanto mais humana quanto melhor ela souber cuidar dos seus membros frágeis e atribulados e o fizer com uma eficiência animada por amor fraterno”.

* Cardeal Odilo Pedro Scherer, arcebispo metropolitano de São Paulo
Fonte: O São Paulo

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