Conselho Indígena de Roraima comemora 50 anos de existência

50 anos da fundação da Organização do Movimento de Resistência, Decisão, Lutas e Conquistas em defesa dos Povos Indígenas de Roraima.

de Stephen Ngari

No segundo dia da 40ª Assembleia da Região das Serras da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS), 26 de janeiro, Roraima, os participantes viveram um momento de reflexão ao celebrar o meio século de fundação do Conselho Indígena de Roraima (CIR). Fez-se memória da origem e caminhada da organização e movimento indígena. A Assembleia se reúne na comunidade Maturuca, o Centro Regional, e termina amanhã, 30 de janeiro. A liderança que esteve presente na fundação do CIR e nas lutas pela demarcação e homologação da TIRSS fez memória de tudo que levou à formação do movimento indígena de união e de luta. Os presentes acompanharam o testemunho da liderança com interesse.

Tuxaua Jacir e Coordenador Gregorio

Tuxaua Jacir e coordenador Gregório.

O primeiro a falar foi o tuxaua (liderança indígena)e primeiro coordenador do CIR, Jacir José de Souza.  Segundo o tuxaua, até 1970 cada comunidade trabalhava por si. Em toda área indígena só tinha uma missão, a de Surumu. Na Raposa existia uma capela e na Vila de Normandia (hoje município), uma capela dos fazendeiros. Os indígenas viviam da caça, pesca e de pequenas produções de mandioca, macaxeira e bananas. Aos poucos os fazendeiros e garimpeiros invadiam as terras e as águas que davam sustento para o povo.

Origens do CIR

O tuxaua contou que os indígenas foram manipulados por meio de bebidas alcoólicas e oferecimento de emprego nas fazendas e no garimpo, ganhando quase nada. O sofrimento aumentou. Aos indígenas não era permitido fazer roça ou caçar como antes. Jacir lembrou que houve um curso bíblico em Boa Vista, capital do estado, em dezembro de 1970 onde foi estudado o livro do Êxodo. Alguns tuxauas participaram e pensaram em se organizar para lutar contra os invasores. No dia 4 de janeiro de 1971 aconteceu a primeira Assembleia em Surumu. Ela marcou o início do movimento da organização indígena que posteriormente incluiu todos os Povos Indígenas do estado de Roraima.

O tuxaua destacou como maior inimigo dos Povos Indígenas e da sua organização, a bebida alcoólica. Portanto, em abril 1977 houve uma decisão feita em Maturuca, de dizer “não à bebida alcoólica e sim à comunidade”. Depois, o slogan se tornou o compromisso do movimento indígena.

Segundo Jacir a parceria dos missionários foi fundamental na organização do CIR. Os tuxauas não se conheciam e não tinham contato entre eles. Aproveitaram a presença dos missionários que os conheciam e perceberam que sofriam os mesmos problemas, com a mesma origem: terra invadida. O CIR ajudou na luta pela demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e o fato se concretizou no dia 14 de abril de 2005 quando a área identificada no ano de 1993 foi homologada. Em toda esta luta houve ameaças, derramamento de sangue, assassinatos e destruição de propriedades indígenas e batalhas judiciais.

O tuxaua Anísio Militão Gabriel, do Centro Morro realçou como a educação ajudou na organização e na luta. Quanto mais os indígenas estudavam, mais entendiam seus direitos e se engajavam. O tuxaua reconheceu o papel fundamental dos missionários, tanto na evangelização quanto na organização social. Para ele, estudos para os indígenas têm valor se for para ajudar a se defender e defender a sua terra. Segundo o coordenador Gregório Alexandre de Lima, 33 anos na liderança, o movimento conseguiu expulsar os garimpeiros, fazendeiros e marreteiros das terras indígenas. O coordenador também observou que não foi fácil fundar o CIR, porque a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e alguns tuxauas não apoiaram a organização indígena.

A bandeira do tuxaua Jesuíno Lopes André Tecaepã foi sobre produção. Neste ano ele celebra 30 anos da liderança. Com o feixe de varas na mão, o líder da comunidade Sol Nascente implorou às lideranças tanto novas quanto antigas para não saírem nem amolecer na união. Testemunhou que foi por causa da união que conseguiram conquistar a terra. Infelizmente, segundo ele, depois da homologação e de projetos de assistência social, alguns pais de família e comunidades deixaram de trabalhar e produzir. Incentivou os jovens a não ter medo de assumir responsabilidade nas comunidades. Não precisa curso para ser líder porque tudo se aprende lutando, andando e acompanhando a liderança, em todos os momentos.

grupo de tuxauasOs representantes do CIR, o vice-coordenador geral Edinho Batista de Souza e a secretária geral Maria Betânia motivaram os jovens a não abandonar a luta. Os perigos que atingem os Povos Indígenas vêm tanto de dentro quanto de fora.  A secretária observou que muita liderança da luta não tinha estudo acadêmico mas permaneceu firme. Hoje, alguns jovens depois de estudar e se formar não voltam para ajudar as comunidades. Entretanto, ela reconheceu que o movimento indígena já conseguiu formar profissionais, como advogados, jornalistas, técnicos agropecuários e eles estão ajudando o movimento e as comunidades na sua luta da defesa dos direitos e da produção agrícola.

A campanha do vice-coordenador foi sobre a história e a terra dos Povos Indígenas, “a nossa história não começa no ano de 1500 (quando os portugueses invadiram o Brasil), a nossa história não começa no ano de 1988 (quando a nova Constituição brasileira que deu aos Povos Indígenas o direito a terra foi promulgada). A nossa história tem uma raiz muito profunda”. A organização dos indígenas com o protagonismo veio defender e resguardar o que dá a verdadeira identidade indígena: TERRA. A terra é sagrada e dá aos Povos Indígenas além da identidade, liberdade, saúde e educação. O vice acrescentou também o valor do projeto econômico “uma vaca para o índio”. Por meio deste projeto, o movimento indígena se fortaleceu mais e se sustenta. Para concluir, Edinho agradeceu as comunidades e todas as organizações indígenas de base. Elas constroem a base firme na qual o CIR se fortifica.

Stephen Ngari, imc, é missionário da Consolata na Amazônia.

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