Papai Noel representa um dos símbolos mais significativos do marketing. Não esquece de ninguém.
Por Alfredo J. Gonçalves*
Em que momento, na história, o “bom velhinho” se entrelaçou com a festa do nascimento de Jesus? A verdade é que Papai Noel tem mais a ver com um produto mercadológico, o qual, por sua vez, serve para turbinar a compra e venda de outros produtos de moda. A presença da neve, junto com suas roupas próprias de intenso frio, pouco condiz com a região da Palestina e do Oriente Médio. Tudo indica que o personagem simpático do “oh-oh-oh” se encontra mais à vontade no universo anglo-saxônico do hemisfério norte, onde, de resto, localiza-se grande parte dos países desenvolvidos, o coração da revolução industrial e da modernidade. Simboliza a caridade dos homens de bens (não raro confundidos com homens de bem) para com as famílias carentes e as crianças esfarrapadas do hemisfério sul. O padrinho rico e poderoso, o qual, pelo menos uma vez ao ano, lembra dos afilhados. Desnecessário acrescentar que, para os donos da riqueza e do poder, a caridade sai bem mais em conta do que a justiça.
Tampouco será precisa acrescentar que a primeira disfarça e oculta a necessidade da última.
Papai Noel representa desse modo, um dos símbolos mais significativos do marketing. Não sem razão, figura como uma das datas mais rendosas no calendário do comércio e do mercado. Daí a difusão do culto e da cultura daquele “que não esquece de ninguém / seja rico ou seja pobre/o velhinho sempre vem” – como diz a canção. Com seu meio de transporte mágico, puxado por exóticas renas, reúne ao mesmo tempo o protagonismo misterioso da harmonia natalina e o veículo tão ansiado das últimas novidades. Oferece e esbanja sorrisos, alegria, paz, simpatia, boas notícias, ao mesmo tempo em que, como por acaso, transporta uma vitrine ambulante com os produtos das marcas mais famosas no mundo da magia. Aliado da propaganda e da publicidade, sempre vistosas e rumorosas, coloridas e estridentes, sempre profusamente iluminadas, cruza festivamente os céus como um cometa pontual e auspicioso, em cuja cauda brilha os pacotes de presentes e a fantasia. Tudo isso, na atmosfera festiva e familiar do Natal, enche os olhos de quem tem vazio o estômago e desnuda a casa.
Com o passar dos anos, a Boa Nova sofreu um visível deslocamento. Em lugar de uma família migrante para a qual “não havia lugar na cidade”, temos o “velhinho de barbas brancas”, que em todos os lugares se sente em casa. Em vez de um recém-nascido indefeso, deitado sobre uma manjedoura, a Boa Notícia é anunciada pelo “personagem das roupas vistosas”. A presença dos animais, ao lado da pobre e frágil nudez, é substituída pela carruagem encantada e as vestes aconchegantes. A rústica gruta de Belém cede o lugar a uma morada igualmente encantada, num lugar propositalmente indefinido ao norte do planeta. Por último, e mais relevante, os bens materiais e efêmeros tomam o posto do anúncio profético de mudança para os pobres, além da chegada do “ano de graça do Senhor”!
O deslocamento da Boa Nova, entretanto, comporta outro deslocamento mais profundo: o das atenções e preocupações. O cuidado com os enfeites externos ganha primazia sobre o cuidado com a própria existência a as relações que tecemos uns com os outros. Iluminação da cidade e das lojas, árvores repletas de penduricalhos, ansiedade das compras, desejo de responder às expectativas de alimentação e vestuário – tudo se transforma em intensa agitação febril. Boa parte das crianças (para não falar dos adultos) tem os olhos fixos no “bom velhinho”, sem se dar conta por vezes da celebração do nascimento do Menino. É verdade que este, hoje em dia, nasce primeiro nos shoppings centers e nos pontos de venda, mas em geral para figurar em segundo plano, de escanteio, como que envergonhado.
Cabe retornar à pergunta: quando foi que o Menino foi trocado pelo Papai Noel? Em que altura o símbolo do mercado tomou de assalto o mistério da encarnação? Ou então, numa linguagem mais apropriada ao universo virtual da Internet, qual dos dois obtém mais visualizações? Serão os dois símbolos incompatíveis, ou é possível conciliar um e outro?