O quadro que se apresenta para as eleições não foge ao esperado. Os candidatos representam as forças que atuavam antes do golpe, e também os que apareceram no processo golpista.
Por Elaine Tavares*
A presidenta ilegítima da Bolívia, Jeanine Añez, que governa desde o golpe de 10 de novembro de 2019, quando um mix de grupos militares, mercenários, fanáticos religiosos e ultradireita com a providencial ajuda dos Estados Unidos provocaram a renúncia de Evo Morales, dias depois da eleição que o elevou novamente a condição de presidente, decidiu finalmente chamar as eleições gerais. Depois de muita pressão, ela promulgou, na noite do dia 21 de junho, a lei que convoca as eleições gerais para seis de setembro. Não sem antes declarar que são os candidatos da oposição os responsáveis por qualquer coisa que venha a acontecer com a população visto que o país ainda não chegou ao pico da infecção pelo coronavírus e segue em alta. Uma maneira bastante esperta de “lavar as mãos” diante da incompetência de seu governo em garantir a segurança sanitária dos bolivianos.
A promessa inicial do golpismo, logo após o 10 de novembro, era de em poucos meses chamar as eleições gerais, com a então recém-empossada presidenta dizendo que ela mesma não participaria do pleito, mostrando assim que estaria apenas “servindo à nação” no momento de transição. Mas, passados os dias, ela voltou atrás e informou que seria candidata, ao mesmo tempo em que protelava o chamamento das eleições. Finalmente, depois de muitas movimentações populares a eleição foi convocada para maio de 2020. Tudo foi adiado em função da pandemia causada pelo coronavírus, que entrou no país a partir de março, como em toda a América Latina.
A Bolívia já atravessava momentos de grandes conflitos desde o golpe, e os problemas então se aprofundaram com o brote do vírus que encontrou um país totalmente despreparado para enfrentar a pandemia. A presidenta, racista contumaz, anti-indígena, voltou-se espertamente para o fundamentalismo religioso e em vez de atuar em consequência para proteger o povo boliviano preferiu sobrevoar as comunidades, com uma bíblia na mão, abençoando e entregando a vida da população nas mãos de deus. Apesar de ter determinado fechamento dos setores produtivos, muito pouco agiu no sentido de garantir recursos para a população seguir vivendo. Além disso, também muito pouco investiu no já combalido setor de saúde pública que colapsa, apontando mais mortes para os próximos meses. Até o dia 23 de junho de 2020, o país contabilizava quase 26 mil infectados e 820 mortos. Números bastante subestimados visto que não há testagem.
Eleições
O quadro que se apresenta para as eleições desse ano não foge ao esperado. Os candidatos representam as forças que atuavam antes do golpe, e também os que apareceram no processo golpista. O MAS, com Evo e Linera fora do país, tem seu candidato, Luis Arce, que provavelmente levará a maioria dos votos no primeiro turno, mas não conseguirá os 50% mais um. As pesquisas o tem colocado no patamar dos 30%. Contra ele estará o já conhecido Carlos Mesa, de direita, que disputou com Evo Morales. Entre os novos estão a atual presidenta ilegítima, mais o golpista da Media Luna, Luis Camacho, fundamentalista religioso, bem como o evangélico coreano Chi Youg Chu. Há outros, mas de menor expressão. Toda essa gente, junta contra o MAS, pode definir a eleição no segundo turno. Isso se não houver uma mudança na conjuntura, justamente provocada pela incapacidade desses grupos em conduzir a pandemia. Em abril Jeanine somava 16% das intenções de voto, hoje pode ter menos. A região de Santa Cruz de la Sierra, por exemplo, reduto da direita golpista, é a que apresenta o maior número de casos da Covid-19 – mais de 15 mil - expondo assim a situação de descaso com a população. Isso pode ter consequências na eleição.
A Bolívia, sob o governo de Evo Morales, tinha conseguido sair do posto de país mais pobre da América do Sul experimentando sucessivas ondas de crescimento econômico. Isso porque Evo conseguiu inverter as prioridades nacionalizando o gás – sua maior riqueza - colocando regras na produção agrícola e na extração dos minerais. Evo Morales, ao longo de seu governo de mais de 13 anos, havia conseguido estabelecer um ajuste nas exportações dos produtos agrícolas – importante atividade produtiva – garantindo em primeiro lugar a soberania alimentar interna, permitindo a exportação apenas do excedente. Isso enfureceu os produtores da região denominada Meia-Lua, cujo centro é Santa Cruz de La Sierra, reduto da direita que já havia tentado um golpe em 2008. Tanto que um dos primeiros atos da presidenta golpista foi liberar as exportações, afagando assim o apetite do agronegócio.
O fato de a Bolívia ser uma das maiores reservas de lítio também coloca o país na rota da cobiça internacional, daí a necessidade de tirá-lo das mãos da centro-esquerda, que tem propostas mais nacionalistas e protecionistas.
Assim, a sorte da Bolívia estará em questão no próximo setembro. Ou não. Porque se o surto do coronavírus acirrar – epidemiologistas falam em 130 mil infectados em setembro - provavelmente a presidenta deverá prorrogar outra vez o processo. Há quem diga que esse é o plano, visto que a batalha contra o vírus está sendo muito pouco eficaz. É uma aposta. As urnas dirão se foi acertada ou não.
*Elaine Tavares é jornalista.