Vida, fraternidade e bem-viver

Campanha da Fraternidade 2020 destaca política social em favor dos pobres.

de Selvino Heck*

Todos os anos, desde os anos 1960, tem Campanha da Fraternidade (CF), promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), durante a quaresma, começando na quarta-feira de cinzas até a Páscoa. Todos os anos, desde 1978, acontece a Romaria da Terra no Rio Grande do Sul, promovida pela Comissão Pastoral da Terra/RS, sempre na terça-feira de carnaval. A Campanha da Fraternidade tem a cada ano um tema central, assim como cada Romaria da Terra.

cartazcampanhafraternidade2020A CF surgiu em Natal, Rio Grande do Norte, em 1962. Em 1963, foi assumida por 16 Dioceses nordestinas. Foi nacionalizada em 1964 e tem como objetivos: “- Educar para a vida em fraternidade, com base na justiça e no amor, exigências centrais do Evangelho; - Renovar a consciência de responsabilidade de todos pela ação da Igreja católica na evangelização e na promoção humana, tendo em vista uma sociedade justa e solidária.” A cada 5 anos, a Campanha é ecumênica. Em 1966, o tema da CF foi: ‘Somos responsáveis uns pelos outros.’ Em 1967, foi: ‘Somos todos iguais, somos todos irmãos.’
A primeira Romaria da Terra, em 7 de fevereiro de 1978, em Caiboaté, São Gabriel, RS, com 400 romeiros e romeiras. Teve como tema: ‘A salvação do índio está na consciência do branco.’ Em 1979, aconteceu na Vila Tiarajú, São Gabriel, com 3.000 participantes, com o tema: ‘Justiça para todos. Vamos salvar a Mãe Terra.’

Os anos 1960, a partir de 1964, e os anos 1970 eram tempos de ditadura militar no Brasil. Não havia democracia. Os direitos dos mais pobres eram pisoteados. Os indígenas não existiam enquanto gente e povos. Os anos 2020 são de ódio, intolerância, ameaças à democracia, perda de direitos dos mais pobres, das trabalhadoras e dos trabalhadores, fim das políticas públicas. Segundo análise recente de Zé Dirceu e de outros analistas, especialmente depois dos últimos acontecimentos, “estamos, de novo, às portas de mais uma ditadura militar. Só não vê quem não quer. Não se trata mais do autoritarismo, mas da face oculta de todas as ditaduras, a violência acobertada pelo Estado ou por ele promovida” (www.viomundo.com.br).

Os temas das primeiras Campanhas da Fraternidade e Romarias da Terra foram proféticos. Continuam proféticos hoje, 2020.

O tema da CF/2020 é: ‘Viu, sentiu compaixão e cuidou dele’ (Lc 10, 33-38). O tema da Romaria da Terra/2020, que vai acontecer em Mormaço, Diocese de Cruz Alta, em 25 de fevereiro, terça de carnaval, é: ‘O Bem Viver no Campo e na Cidade’ – ‘Dá-me de beber’ (Jo 4, 7).

Diz o Texto-Base da CF/2020, na análise da realidade atual: “O olhar da indiferença gera ameaças à vida. A realidade mostra que será necessário empreender muitos esforços para que realmente a vida esteja em primeiro lugar. No Brasil, 22,6% das crianças e adolescentes com idade entre 0 e 14 anos vivem em situação de extrema pobreza. A desigualdade é um triste distintivo da sociedade brasileira. Em 2017, o Brasil era o nono país mais desigual do planeta em distribuição de renda. No Brasil, os povos indígenas sofrem sucessivas agressões em seus territórios, culturas e vida. Uma triste ameaça à vida é o aumento dos feminicídeos. Ainda vivemos em um cenário de guerra, quando lançamos o olhar para os conflitos existentes no campo.”

A cartilha da Romaria da Terra fala em ameaças às comunidades, ameaças à saúde do povo, exploração dos agricultores e das agricultoras, mentiras, notícias falsas e enganação do povo, concentração da terra, agronegócio, agricultura envenenada e desigualdade social, crise climática, falta de um projeto de Nação, desrespeito e violência contra as mulheres, religião usada para enganar e roubar o povo.

Mais que denúncias, ou além das denúncias, a Campanha da Fraternidade e a Romaria da Terra anunciam a Boa Nova e o que fazer. Diz a CF/2020: “Compaixão de Jesus – romper com a indiferença.

Compaixão é ter mais coração nas mãos. Compaixão é ter mais justiça no coração. A caridade: verdadeiro sentido da vida. A boa nova do cuidado da vida. Ecologia integral.” E fala em 5 palavras como atitudes a serem tomadas: “1. Primeirar: ousar ser mais ousado. 2. Envolver: a vida é um intercâmbio. Cuidado e ternura. 3. Acompanhar: processos. 4. Frutificar: não perder a paz por causa do joio. 5. Festejar: a vida é dom e compromisso. Alegrar-nos. 6. Acolher: em que contextos a vida deve ser acolhida em nossa realidade? 7. Proteger: que vidas carecem mais de proteção no contexto onde estamos vivendo? 8. Promover: que iniciativas podem ser realizadas para promover a vida? 9, Integrar: que ações e parcerias já existem e que podemos somar esforços em vista da fraternidade?

A Romaria da Terra anuncia: “Deus quer o Bem Viver por uma vida em plenitude. Bem Viver é a atitude de cuidar da natureza e do ser humano. Bem Viver é, ainda, cuidar de si. Bem Viver é também cuidar do outro. O modo de se relacionar com o outro e com a natureza a partir dos princípios do Bem Viver faz buscar outras formas de avaliar os índices de desenvolvimento de uma Nação. A ecologia integral, uma causa de todos. Os caminhos do Bem Viver: agricultura familiar camponesa. A agricultura familiar, economia solidária e as Feiras solidárias: união campo e cidade. O Papa Francisco: os 3 ‘t’: Terra, Trabalho, Teto.”

A Campanha da Fraternidade e A Romaria da Terra são gritos de esperança, são luz.

*Selvino Heck é deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990) e  membro da Coordenação Ampliada Nacional do Movimento Fé e Política.

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