O ataque sistemático às distintas instituições e instâncias da res publica e da imprensa livre esconde – e ao mesmo tempo revela – o anseio mais profundo de todo ditador ou tirano.
Por Alfredo J. Gonçalves*
É suspeita a insistência do presidente Jair Bolsonaro em afirmar que a “nova política” vem se afastando do viés ideológico do que ele chama de “velha política”. Em primeiro lugar, aliás, de novo a gestão do atual governo só apresenta um retrocesso ao que existe de mais velho e obtuso na trajetória política do Brasil. Bastaria uma olhada aos clássicos da política econômica para dar-se conta de que as classes dominantes, neste país, durante o império ou partir da república, têm se mostrado extremamente conservadoras, obscurantistas e retrógradas. Na nova política, com o andar da carruagem, respira-se uma pesada atmosfera de caserna.
Nessa visão saudosista, as elites costumam inflar o Estado quando precisam dele para defender seus interesses supostamente ameaçados. Ao mesmo tempo, porém, falam em reduzi-lo ao mínimo quando se trata de garantir políticas públicas que, orientadas para o bem-estar comum, tentam uma maior distribuição de renda. Revelam-se paradoxalmente liberais e corporativistas, dependendo dos ventos que, caprichosamente, sem sempre sopram a favor da concorrência capitalista desenfreada. De novo também, no cenário da sociedade leiga e secularizada dos tempos modernos, vem sendo o uso de uma ideologia religiosa para justificar as aberrações e impropérios que há tempo não se viam nem ouviam.
Prova disso, é o que se vê e ouve, quase diariamente, nas áreas da cultura e da ciência, como também no cuidado (ou falta dele) para com a preservação do meio ambiente, para com os direitos dos Povos Indígenas e das comunidades quilombolas. Com inusitada frequência, as autoridades ressuscitam os fantasmas da guerra-fria, seja para neutralizar pesquisas, estudos e obras de arte, seja para demonizar opiniões e comportamentos alternativos. Desde a campanha eleitoral, o entorno do presidente tem apelado para uma espécie de messianismo segundo o qual o capitão seria um “enviado de Deus” – não sendo aqui indiferente o uso do nome!
Novo ainda vem sendo a velha tentativa de desmontar toda e qualquer prática política que siga apresentando tonalidades democráticas, além de manter sob constante ameaça os vários meios de comunicação social. O ataque sistemático às distintas instituições e instâncias da res publica e da imprensa livre esconde – e ao mesmo tempo revela – o anseio mais profundo de todo ditador ou tirano. Quanto menos espaços de debate e quanto menos tempo para uma serena, aberta e racional argumentação, tanto mais fácil que prevaleçam as diatribes do chefe de plantão. Este procura a todo custo defender-se da “astúcia da razão” (Hegel).
Em segundo lugar, porém, nada é mais fortemente ideológico do que insistir sobre o viés “não ideológico” das próprias decisões. A fórmula repetitiva e autoritária de semelhante negativa só faz atestar sua falsidade. Em outras palavras, o viés ideológico de certas nomeações e certos decretos, de certas medidas provisórias e certos projetos de lei é tão notoriamente patente, que se torna necessário negar a sua presença. Imperativo mesmo cobrir o rosto com um véu! É o que se chama tapar o sol com a peneira. Como dizia o menino da fábula, “o rei está nu”. Nu na sua vontade incontida de controlar tudo e todos com a força bruta do mandato. Daí a obsessão de pintar a paisagem social, política, econômica e cultural com as tintas de sua mentalidade, por mais fechada e agressiva, mesquinha e truculenta que ela seja.
A nudez precisa de roupa para se proteger dos olhares estranhos e alheios. A verdade nua e crua precisa da roupagem ideológica para ocultar a devastação de mandos e desmandos. Isso explica a fixação obsessiva em ver nos seus predecessores o viés ideológico que se encontra sobretudo em si mesmo. Em geral vemos nos outros, em primeiro lugar, os defeitos e falhas que nós mesmos carregamos. Por isso é que, não raro, acusar é uma forma de expor-se. Em especial nas atitudes do governo atual, apontar o dedo sobre a política que o precedeu nada mais é do que projetar para o passado os erros e abusos do presente. Sirva de exemplo o caso da corrupção, a qual, aliás, vem de longe e não se deteve com a dita nova política!