O que mais desconcerta quem se alimenta de ódio, ignorância e simplificação são perguntas e afirmações sábias e bem elaboradas.
Por Nei Alberto Pies*
Vivemos tempos nada propícios ao diálogo. Dialogar significa escutar, tolerar a existência dos pensamentos divergentes, oportunizar que as diferentes visões de vida e de mundo possam aparecer. Aliás, aparecer, mostrar-se, existir, é uma das faculdades e necessidades mais importantes de cada e de todo ser humano.
Não precisamos de concordâncias: queremos e precisamos exercer o direito de defender nossas ideias, sem a obrigação de agradar a um ou a outrem.
A sociedade plural e democrática aceita e tolera as ideias divergentes e contraditórias.
Temos todos o direito e o dever de discordar, de quem quer que seja, quando a estupidez, a arrogância e a mentira agridem a nossa inteligência, sabedoria e ponderação. A gente até suporta, silenciosamente, até um certo ponto, mas a reação da racionalidade se impõe.
A cultura de ódio, perseguição e mentiras cega toda a sociedade, manipula as mentes e nos transforma em “robôs”, repetidores de inverdades e frases prontas.
O que mais ouvimos, de norte a sul do país, em tempos de watsap e fake News, são afirmações desconexas e rasas sobre as diferentes realidades do país. A unificação do discurso é impressionante e é estonteante a velocidade com que estas informações circulam em nosso país.
Observemos ao nosso redor. Todo mundo sabe de tudo e tem solução para todas as questões da sociedade. A complexa realidade social é tratada com saídas fáceis e simplistas. Sempre há um culpado e só agora haverá solução. No entanto, o que mais desconcerta quem se alimenta de ódio, ignorância e simplificação são perguntas e afirmações sábias e bem elaboradas.
Não é fácil manter e promover diálogo e criticidade, neste momento histórico, no Brasil.
As pessoas que se formaram em Ciências Humanas, ou passaram por processos formativos populares e críticos, que leram sobre a importância da razão, que interpretam de forma crítica a história e os acontecimentos, que usam de argumentos e do diálogo até a exaustão, sofrem cotidianamente a “repressão velada” daqueles que querem impor suas verdades. Aliás, na atualidade, o conceito de verdade não segue os critérios de objetividade, mas sim das subjetividades afirmadas por correntes ideológicas por ora em disputa.
Os professores estão expostos, como nunca antes, a todos os tipos de ameaças e controles (inclusive da liberdade de cátedra) e sofrem com a intimidação velada e a exposição inescrupulosa e maldosa dos que querem controlar a escola, esta que ainda mantém a diversidade dos pensamentos e dos conhecimentos, como deve ser, para o bem da democracia e de toda sociedade.
Diante do contexto do atual momento histórico, todos adotamos posturas. Pessoalmente, adotei algumas, que quero expor a seguir, para reflexão, com quem está lendo este texto.
1. Não desligo ninguém das redes sociais. Entendo que precisamos exercer tolerância à exaustão. Aqueles e aquelas que usam minha rede social para destilar seu ódio e estupidez, dou uma cordinha para que o façam. Desliguei poucas pessoas (somente aquelas que me atacaram pessoalmente).
2. Faço distinção entre ignorância e estupidez. A ignorância vem do não-saber. A estupidez brota do saber ensandecido e cruel para atacar os outros.
3. Converso, no particular, com aqueles que me atacam em redes sociais. Promover bate-boca em público é igualar-me aos outros, é expor-me, sem precisar. No particular, os resultados são diferentes e há certos avanços no respeito e na consideração mútuas (claro, para quem aceita conversar).
4. Estou em busca do melhor “tom” para as críticas e posicionamentos diante da realidade brasileira. O ataque pessoal não é a melhor defesa. A crítica às ações políticas e públicas precisam ser feitas. Defendo o direito de ter minha opinião e considero, sinceramente, a opinião dos outros, sem atacá-los pessoalmente, mas criticando suas ideias e posturas. Assumo as contradições das minhas convicções.
5. Acredito na conciliação, diálogo e mediação, sem abrir mão das críticas. Quem exerce funções políticas e públicas deve saber ouvir críticas (toda unanimidade é burra). Quem expõe publicamente seus pontos de vista, também deve aceitar críticas responsáveis e inteligentes. Quem já estudou filosofia, tem de ser crítico.
6. Procuro julgar menos e observar mais. Então, começo a entender como é difícil, para cada um de nós, assumir as contradições de suas posturas e do seu pensar.
7. Procuro grupos ou pessoas afins para conversar. Sentir-se isolado, sem grupo, sem espaço para validar minhas interpretações, seria muito mais complicado para entender a complexa realidade brasileira.
8. Não me omito diante do desmonte do estado e da liquidação das conquistas sociais porque seria um erro histórico. Precisamos reagir, com firmeza e ternura. Com paciência histórica, num futuro próximo, colheremos os frutos das nossas lutas, convicções e atuações.
9. Acredito que não existem verdades únicas. Existem interpretações da realidade e, principalmente, fatos, contra os quais não há como silenciar.
10. Acredito no Brasil que é dos brasileiros e brasileiras. A paciência, a amorosidade e a sabedoria deste povo construirão as saídas para as diferentes crises que vivemos neste momento histórico. Ninguém tem o direito de apropriar-se do Brasil!
11. Assumo postura e concepções à esquerda. Acredito, como Mujica, que ser de esquerda “é uma posição filosófica perante a vida, onde a solidariedade prevalece sobre o egoísmo”.
12. Sou muito grato aos que me corrigem e aos que me criticam para minha evolução pessoal e social. Quando a gente gosta, é claro que a gente cuida, a gente se protege, se corrige fraternalmente e sempre quer ver o outro evoluindo, mas sem roubar-lhe a sua essência.
13. Procuro guardar coerência entre pensamentos e práticas. Quem persegue coerência, lógica e persistência em seus pensamentos e ações, alcança o respeito e a consideração dos outros, mesmo nas divergências. As pessoas sensatas nos respeitam quando percebem sentido e razão naquilo que defendemos.
14. Acredito na compaixão, na não-violência e pratico tolerância. Inspiro-me em grandes mestres como Jesus Cristo, Gandhi, Martin Luther King, Madre Tereza de Calcutá, Papa Francisco, Desmond Tutu, Dalai Lama, Albert Schweitzer, dentre outros.
15. Afirmo os pensamentos críticos e reflexivos como estratégia de humanização. O conhecimento nos humaniza. A ignorância alimenta a nossa raiva, ódio e estupidez.
Nosso maior palco é a vida e nela somos eternos aprendizes. Nosso maior desafio é a humanização, através do conhecimento. O conhecimento nos torna melhor seres humanos. A escola e a vida são oportunidades de aprendizagem, socialização e construção de conhecimentos. Humanizar é um dos maiores desafios da atualidade.