Os brasileiros por conta própria

As cenas no Nordeste são de arrepiar. O óleo vazado dos navios da Shell chegando a mais de 180 pontos de praia. E nenhuma ação do governo brasileiro para conter o desastre.

Por Elaine Tavares*

As cenas no Nordeste são de arrepiar. O óleo vazado dos navios da Shell chegando a mais de 180 pontos de praia. E nenhuma ação do governo brasileiro para conter o desastre. O presidente chegou a dizer que o país não tem responsabilidade alguma, logo, nada fará. Está brincando de rei no Japão. E, como o governo acabou com o Comitê que trabalhava na contenção de desastres, não há qualquer política de ação.

oleonordeste1Enquanto isso, as gentes que vivem nas cidades afetadas estão tirando o óleo da praia do jeito que dá, com apenas sua intuição e desejo de vencer o drama. Quando o dejeto chega à praia, eles enrolam com as próprias mãos e colocam dentro de sacos plásticos, que são levados sabe-se lá para onde. O importante para os moradores é tirar o óleo da praia, já que o mar é o espaço de sustento de grande parte das pessoas.

O abandono do governo tem a ver com o imenso ódio que o grupo de poder têm dos nordestinos. Primeiro, porque acreditam que lá, todo mundo é do Lula e do PT. E segundo, pelo racismo explícito, sempre alardeado pelo agora presidente da nação. A impressão que se tem é de que essa gente que está no poder agora fica vendo o desastre, rindo e comemorando o fato de os “petralhas nordestinos” estarem sofrendo. Há quem diga que o desastre foi provocado em represália contra os nordestinos. Não sei se chegariam a tanto. Mas, dado o desastre, a inação é deliberada, com certeza.

Nos grupos de apoiadores do governo os comentários são os mais abjetos: “ que se virem”, “peçam ajuda ao Lula”, “ vão se ferrar”, ou seja, representam e expressam justamente o mesmo sentimento do governo. Já os liberais aplaudem a ação dos moradores dizendo que é isso mesmo, que se organizem sozinhos e não fiquem pedindo ajuda ao “papai” Estado. Segundo eles, o Estado não tem de dar respostas para tudo. Cada um que se vire.

Ora, se o papai estado não deve ser chamado num desastre dessa natureza, talvez os brasileiros atingidos também não devessem ficar sustentando o “papai” estado, já que são as pessoas que sustentam essa máquina com seus impostos. Logo, não existe um papai estado. O que existe é uma nação sustentada pelo povo que ali vive. O governo não é pai. O governo deveria ser o organizador do espaço, gerindo os recursos que são criados pela população em benefício dessa população.

Mas, claro, isso seria o ideal. Na verdade, o estado é “papai” sim, mas não da maioria da população. Ele sente-se pai de apenas uma fatia bem pequena da população, que é a dos empresários e grandes proprietários. Para essa parcela ínfima tudo está reservado. Se os bancos, por exemplo, sofrem algum colapso, lá vai o Estado salvá-los. Se alguma grande empresa tem problemas, lá vai o Estado salvá-la, se algum empresário bem rico precisa de ajuda para ampliar os negócios, lá está o Estado para ajudá-lo. Mas, se a floresta pega fogo, que se virem as gentes. E se o óleo de uma empresa multinacional é jogado no mar, que as pessoas encontrem formas de limpar as praias. Nada de esperar pelo “papai” Estado. Porque o estado não é pai dessa gente mesmo.

O Estado é balcão de negócio da classe dominante. Só a ela serve.

Por isso, no Nordeste, são as pessoas que estão se virando por conta própria.

O Estado brasileiro está se desobrigando de sua gente, todos os dias, um pouco mais. Além de abandonar o Nordeste de maneira perversa, hoje também celebra o fato de jogar na sarjeta todos os seus velhos.

O Senado aprovou a reforma da previdência que define o fim da aposentadoria dos brasileiros. Raríssimos trabalhadores conseguirão chegar a essa situação visto que terão de trabalhar mais de 40 anos para requerer o benefício. E se chegaram a isso, terão ainda um benefício bem encolhido, que não será suficiente para sobreviver, que dirá viver. A reforma passou sem que as grandes centrais sindicais dessem sequer um suspiro. As lideranças burocratizadas preferiram negociar com o Congresso alguns destaques, tentando evitar o pior. Obviamente também não conseguiram porque esse Congresso que aí está não representa a população e sim os grupos de interesses e poder.

Assim, o Estado brasileiro vai mostrando sua cara real, eliminando qualquer ilusão que alguém possa ter sobre ser o pai das gentes. Não há absolutamente nada que se possa esperar do Estado. Muito menos do sistema que o sustenta e que alguns chamam de “democracia”. O quanto antes a população entender que nem o Estado a representa, nem a democracia existe, mais rápido será possível mudar as coisas.

Vejam que o sistema de poder é muito eficaz na sua batalha discursiva. Tanto que chama de ditadura sistemas de governo como os de Cuba, da Venezuela e agora da Bolívia. E chama de democracia países como os Estados Unidos, Iraque, Brasil.

Ora, Cuba exerce muito mais a dita democracia que qualquer lugar do mundo. Lá, a população sabe o que acontece e decide os rumos do país em cada rua, cada bairro. Na Venezuela, a maioria da população é chamada para decidir sobre os rumos do país. Isso é apresentado como ditadura e ponto final.

Já um país como os Estados Unidos que nem eleição direta para presidente tem – o que seria um pilar básico da tal democracia – é visto como modelo de liberdade no mundo. E só são reconhecidos como “democracia” os governos que se aliam aos Estados Unidos.

Ou seja, tudo está “de patas para o ar”. Aquilo que se diz ser democracia é na verdade ditadura, e o que chamam de ditadura são governos de liberdade. E é incrível que as pessoas não consigam perceber isso, tão ofuscadas que estão pela comunicação massiva e ideológica.

Por isso que o governo brasileiro e a mídia local mentem dizendo que o óleo chegado ao Nordeste veio da Venezuela. Ligam assim o desastre à “ditadura” e ficam isentos da responsabilidade. Ora, mesmo que o óleo fosse da Venezuela – e não é - o governo tinha de ter um plano de contenção de desastres. E se vier um furacão? Ou uma tormenta? Ou um tsunami? O Estado não vai agir?

Ao que parece, não. Estamos por nossa conta e, inclusive, sem direito a ficar velho.

Bueno, isso pode ser bom, se estamos por nossa conta, e estamos dando conta, isso significa que esse Estado aí não é necessário. Logo... um mais um são dois.

*Elaine Tavares é jornalista.

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