O papa Francisco acaba de concluir um tour por três países africanos, passando por Moçambique, Madagascar e Ilhas Maurício, em sua quarta visita à África.
Por Lebo Diseko
O papa Francisco acaba de concluir um tour por três países africanos, passando por Moçambique, Madagascar e Ilhas Maurício, em sua quarta visita à África desde que se tornou o líder da Igreja Católica, em 2013. Em comparação, seu antecessor Bento 16 esteve duas vezes no continente durante seus oito anos de papado.
Moçambique e Madagascar estão entre os países mais pobres do mundo, e a visita de Francisco é vista por muitos como um ato de solidariedade de quem é conhecido como o "papa dos pobres". Mas a África torna-se cada vez mais importante para a Igreja Católica, que vê ali espaço para seu crescimento.
É naquele continente que a população católica mais cresce no mundo, ao mesmo tempo em que a Europa Ocidental, que já foi vista como o coração do cristianismo, se tornou uma das regiões mais seculares do planeta, segundo pesquisa do centro americano Pew.
E mesmo entre os que se identificam como cristãos há muitos que não frequentam a igreja com regularidade.
Em contraste, o cristianismo, em suas diferentes denominações, avança na África. O instituto Pew prevê que, em 2060, mais de quatro em cada dez cristãos do mundo estarão na África Subsaariana.
Outro estudo, publicado pelo Centro de Pesquisas Aplicadas dos EUA, apontou que entre 1980 e 2012 o número de católicos no mundo aumentou em 57% para 1,2 bilhão, mas o crescimento foi de apenas 6% na Europa, contra 283% na África. O estudo calcula que o continente abrigue quase 200 milhões de católicos (quase toda a população do Brasil).
"Acho que a África é onde está o futuro (da Igreja Católica)", opina Nicolette Manglos-Weber, professora-assistente de Religião e Sociedade na Escola de Teologia da Universidade de Boston (EUA).
Construção de escolas e hospitais
O crescimento na África se deve, em parte, porque sua população cresce com mais velocidade do que em qualquer outro continente.
Mas as razões vão além - incluindo o fato de que, ao se integrar à Igreja, as pessoas se tornam "parte de uma instituição que oferece apoio e segurança em lugares onde é muito comum que se viva precariamente", explica Manglos-Weber.
"A Igreja provê hospitais, escolas e outros serviços sociais, que os governos pós-coloniais da África têm tido dificuldade em oferecer em grande escala."
Nessa oferta, a Igreja Católica supera inclusive as protestantes ou comunidades islâmicas, diz a especialista.
O papa Francisco também aumentou a representatividade da África nos altos escalões da Igreja. Embora a maioria dos cardeais ainda venha da Europa e da América do Sul, ele nomeou para o cargo dez africanos, em comparação com os seis nomeados por seu antecessor.
Francisco, por sua vez, é o primeiro pontífice nascido no hemisfério Sul - ou no Sul Global, termo usado para se referir países de renda média e baixa na Ásia, África e América Latina.
O argentino tornou-se conhecido como um papa mais próximo aos desfavorecidos e tem focado em causas como mudanças climáticas e desigualdade na África.
Antes da turnê da última semana, ele já havia visitado anteriormente outros cinco países do continente - Quênia, Uganda, República Centro-Africana, Egito e Marrocos.
"O Santo Pai pediu um hotel muito simples e rejeitou a primeira opção enviada pelo Vaticano, pedindo por acomodações mais baratas para seus secretários, subsecretários, bispos e cardeais", disse um líder da igreja moçambicana à imprensa local.
'Novas formas de colonialismo'
Em sua visita ao Quênia, em 2015, o papa Francisco visitou a favela de Kangemi, nos arredores da capital Nairóbi, e falou a respeito do que chamou de "novas formas de colonialismo".
Disse à população que queria "denunciar as injustiças que vocês sofrem", referindo-se às favelas como "feridas" causadas pela elite.
Embora seja elogiada por levantar essa bandeira, a Igreja também é criticada por denúncias de abusos sexuais envolvendo clérigos africanos.
No ano passado, a Conferência de Bispos Católicos do Sul da África (SACBC) admitiu que 35 casos de abusos de menores por clérigos haviam sido reportados na África do Sul desde 2003.
Três padres foram excomungados, e um está cumprindo pena de prisão perpétua pelo crime, diz a SACBC.
Na Libéria, no noroeste do continente, um ex-padre escreveu ao Vaticano para denunciar o que chamou de comportamento sexualmente predatório por dois bispos.
Em geral, os escândalos sexuais parecem ser "mais isolados e irregulares - certamente não na mesma escala do ocorrido na América do Norte, na Europa ou na América do Sul", diz Garth Abraham, professor da faculdade St Augustine, na África do Sul.
O que não significa, porém, que o abuso sexual por clérigos seja menos prevalente na África.
"Na verdade, suspeito que o problema permaneça ocultado", diz Abraham.
A razão disso pode ter a ver com o fato de que "tradicionalmente, africanos são respeitosos aos que ocupam posto de autoridade ou influência", exigindo de quem for denunciar tais casos uma força que "os vulneráveis não necessariamente têm", opina o acadêmico.
A despeito disso, Abraham afirma que "ainda permanecem centenas de milhares de bons homens e mulheres que dedicaram suas vidas a servir os outros por meio da Igreja Católica. E isso ocorre particularmente na África, (...) onde a instituição às vezes é a única a dar uma contribuição para melhorar as vidas dos mais pobres e vulneráveis".
E isso, junto ao boom demográfico do continente, ajuda a explicar por que a Igreja tem voltado suas atenções ao continente.