Em mim, a esperança jamais é última que morre. Antes, mato-a eu mesmo, e dou socorro à sensatez. A eleição para a Presidência da República será ganha por um tipo de mentalidade.
Por Léo Rosa de Andrade*
“Inês é morta.” Pranteemo-la na Quinta das Lágrimas. Bela história, a de Inês de Castro: chega um tempo em que a coisa está acabada. Nada a fazer. Consternar-se diante de fatos não faz com que fatos, fatos não sejam.
Acode-me o meu primo, o Guimarães: “Viver é um descuido prosseguido”. É verdade; nos descuidamos dos destinos do País. Gentil, ele emenda: Mas, também, “viver é etecetera”. Um tropeço do tamanho do Brasil, mas a vida segue.
Essa eleição é favas contadas. Alguns perdemos. Gosto da companhia de boa parte dos que estão na derrota. Do jeito do “primo” Doutel de Andrade: “A Ditadura nos derrubou; caímos. Mas caímos na vertical”.
Em mim, a esperança jamais é última que morre. Antes, mato-a eu mesmo, e dou socorro à sensatez. A eleição para a Presidência da República será ganha por um tipo de mentalidade. A pensar: de que lugar ideológico veio isso?
Psicanalista que conheço tem sua teoria. Teoria equivocada. A massa ignara, em desamparo carece do pai que ponha ordem. Quer um pai severo. Prefere entregar-lhe as liberdades públicas na esperança de sua segurança individual.
Rebato: referida massa votou noutro pai por quatro vezes seguidas, concedeu a outro partido dezesseis anos contínuos de mandato. O pai concessivo de então teve toda a confiança que se pode depositar em algum político. E então?
E mais: o pai concessivo passou o poder a uma mãe fálica, mandona, dita gerente. Essa mesma, a mãe, também foi referida como condescendente: o pai deixava o País nas mãos da “mãe dos pobres” (nas falas de Lula da Silva).
E rebato ainda. A coisa, se formos psicanalisar, é mais complexa: a mãe não era fálica, não sabia gerenciar, não era mãe de pobre nenhum. Era incompetente. Acabou defenestrada. Não deixou saudades (nem se elegeu senadora).
Sem pai, sem mãe. Pai substituto (Temer, o sócio do PT). Um pai sem legitimidade paterna. Um pai acuado. Eleições: estamos nas angústias da espera pelo pai que vai chegar e nos cuidará. Uns querem o pai qual; outros, o pai tal.
Vai ganhar o pai qual. O nome dele é Bolsonaro. Não o quero. Pelo que ouvi dele mesmo, o sujeito não respeita mãe, filha, empregada. Vizinhos e amigos, só se feitos à cara e à semelhança de suas próprias ideias. Não me convém.
Então eu queria o futuro derrotado pai tal? Não. Nada. Dele mesmo, até que gosto. Por identificação. Tem os estudos que tenho, fala a língua que falo, pensa muitos de pensamentos iguais aos meus. O problema é a turma dele.
O mais da turma dele me vale pouco ou quase nada. Há suspeitos, há até presidiários. É que muitos dessa turma se organizaram em quadrilha e aparelharam o Estado. Essa gente que refiro roubou e deixou roubar demais do Brasil.
E agora? Agora, queira eu, ou queira eu não, alguém vai governar a casa. Quando bater a hora da urna (eletrônica e segura), vou ter que escolher. Eu e todo mundo. Outra vez, pensando com algum referencial de psicanálise.
Hora de escolha: País violento, desgosto, roubo, desilusão. Angústias de não saber no que vai dar. Algazarra de insistir que venha o pai que atenda à minha vontade. Muitos – gritos assustados – querem infligir sua vontade. Ansiedade.
Cara!, não há alternativa; vou de Haddad. Voto no derrotado. Os impropérios que já ouço: “vai votar em ladrão”. Não. Aliás, contra Haddad não há nada que lhe desabone a biografia. Nada, a não ser as más companhias, claro.
Mas, ora, de toda sorte não comporta reclamação do meu voto. É voto derrotado. É voto de votante que vota contra uma certa mentalidade. As coisas que Bolsonaro diz, nem sei se pensa. Só daria para saber em análise ou em ato.
Não quero, já não importa. Questão de ética, questão de estética (protesto de Laertes Rebelo). Civilização. É disso que se trata. Sei, repito: a outra turma é larápia. Respondo: a Polícia, o MP, a Justiça... Estão dando conta.
Já “o que Bolsonaro significa transcende as eleições. É questão de valor, de princípio, de humanidade” (Karine Gomes Vieira). Seja: de larápio petista cuida o Código Penal; Bolsonaro afronta a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Reitero, pois que bem elucidar o tema é o meu desiderato: “A corrupção petista pode ser combatida com a lei, mas o retrocesso em relação a Direitos Fundamentais que Bolsonaro representa não se restabelecerá por lei” (Alice Bianchini).
Então, sumário: não votarei a favor de nada, muito menos do PT. Votarei contra certa mentalidade (Gresiela Nunes da Rosa). Não aprecio derrota; vou lá sabendo que serei derrotado. Ademais, a derrota já me ocorreu no primeiro turno.
No segundo, reitero: vou apenas votar contra. Cuida de ser o voto contra mais cívico que eu vou dar na vida. A psicanálise não trata disso. É política pura; é tudo que política significa. Ah!, me ocorre: tempo de medo.
Riobaldo, cria de Guimarães Rosa, o “primo”: “O medo da confusão das coisas, no mover desses futuros, que tudo é desordem. E, enquanto houve no mundo um vivente medroso, um menino tremor, todos perigam – o contagioso.
Mas ninguém tem a licença de fazer medo nos outros, ninguém tenha. O maior direito que é meu – o que quero e sobrequero: é que ninguém tem o direito de fazer medo de mim”. Recomendo muito: Grande Sertão: veredas.
“O contagioso”. Isso pega, alcança entes queridos. Maíra Zimmermann de Andrade: “Que fazer? Interpelar o outro com minhas concepções”? A onda, filme: os alunos formam uma autocracia, os professores não sabem o que fazer.
É... a psicanálise tem razão, Freud: Mal estar na civilização, Psicologia das massas... Voto por medo de um tempo que dava medo: um discurso que evoca violência catalisa eleitores. Mas, eu que sou eu, não me vou esconder de mim.
Então, vou dizer contra Bolsonaro com meu derrotado voto. Eu já pensava antes de ler meu “primo”: a vida é gerúndio, anda. De particípio, só a morte. Mas, aí, não adianta: Inês é morta. Eu não. Protesto. Voto contra. Isso eu posso e faço.