O trumpismo tem se revelado terreno fértil para uma série de atitudes conservadoras, autoritárias e centralizadoras, próprias da política de extrema direita e do nacionalismo populista.
Por Alfredo J. Gonçalves
O trumpismo – se me permitem essa forma de linguagem – tem se revelado terreno fértil para uma série de atitudes conservadoras, autoritárias e centralizadoras, próprias da política de extrema direita e do nacionalismo populista. Revela-se igualmente um vírus contagioso que, em várias partes do mundo, vem corroendo os alicerces mais sólidos da democracia. Se é verdade que semelhante prática política responde a expectativas retrógradas de amplos setores da população, através de processos eleitorais “democráticos”, também é certo que, por sua vez, fomenta comportamentos e organizações de caráter discriminatório e neo-fascistas. Prepotente e intempestivo, tende a acirrar ódios racistas, xenófobos e preconceituosos. Alimenta-se de uma intolerância notoriamente silenciosa e, ao mesmo tempo, nutre a fome e a sede de intransigência diante do medo ou ameaça no encontro com o “outro, estrangeiro, diferente”.
Simultaneamente, o trumpismo aparece como causa e efeito do rechaço a qualquer tipo de pensamento alternativo.
O trumpismo, além disso, representa um alvo privilegiado tanto para os aplausos quanto para as vaias. Avanços e recuos se confundem e se entrelaçam, numa polarização fermentada por visões opostas e não raro irracionais. O governo equilibra-se sobre o fio da navalha. No interior mesmo dos Estados Unidos, formas de resistência ao presidente Donald Trump se mesclam com explosivos espetáculos de apoio incondicional. A intolerância silenciosa retira a própria máscara e ergue a voz: sai de casa, invade as ruas, atrai multidões que desfraldam a bandeira de uma aversão popular antes contida. O mesmo, porém, ocorre com aqueles que mantêm uma forte crítica ao modo de governar. Também neste caso, ruas e praças ganham multidões que, contrárias ao “sim” dos adversários, levantam o grito do “não”: ao racismo, ao fascismo, ao autoritarismo, às políticas anti-migratórias, à separação entre pais e filhos. O fio da navalha costuma dividir os migrantes que batem às portas em “problema” ou “oportunidade”: expatriação e fechamento de fronteiras de um lado, acolhida, diálogo, intercâmbio e solidariedade de outro.
Mais do que nunca, o contágio do trumpismo ganha energia redobrada em Terras de Santa Cruz. Às vésperas de um processo eleitoral conturbado, seus adeptos convergem como abutres sobre a candidatura do militar Jair Messias Bolsonaro à presidência do Brasil. Os últimos meses do governo Temer, de resto, foram pontilhados de manifestações de um autoritarismo progressivo, seja por parte das forças armadas, seja por parte de abusos do Poder Judiciário. Segundo os analistas, assiste-se à judicialização da política, enquanto os militares aumentam a repressão entre os povos indígenas, os sem terra e sem teto, os movimentos populares, as organizações de base, os jovens – particularmente negros – nas periferias e favelas das grandes cidades. Recentes confrontos na fronteira entre Venezuela e Brasil, por outro lado, fazem pensar na criminalização não somente das forças de esquerda, mas também dos imigrantes.
Tudo indica que as eleições realizar-se-ão em campo minado, especialmente com a intervenção direta e inédita do Poder Judiciário. Enquanto o candidato com maior intenção de votos, Luiz Inácio Lula da Silva (39% dos votos, segundo a última pesquisa da DataFolha), permanece detido na Policia Federal em Curitiba, e enquanto persiste a incerteza sobre sua elegibilidade, a disputa segue em frente com os demais candidatos. Caso Lula da Silva seja considerado inelegível, que condições terá o vitorioso na urnas para governar efetivamente o país? País que, diga-se de passagem, encontra-se fortemente marcado por uma crise em várias dimensões. Nuvens sombrias e ventos impetuosos varrem os céus brasileiros durante essa campanha eleitoral. Depois da eleição, entretanto, a nuvens e os ventos podem direcionar essa gigantesca embarcação para os portos do trumpismo. Enfraquecido pelo resultado das urnas, o novo presidente, seja ele quem for, facilmente cairá na armadilha das alianças pela governabilidade. Em tais alianças, a riqueza, o poder e a influência política fazem a diferença. Que trunfos possuem as forças de esquerda para negociar espaço de ação, supondo que elas estejam unidas? Na batalha da guerra comercial e nas chantagens e contradições utilizadas pelo trumpismo, que lugar ocupará o Brasil no xadrez da política econômica mundial? As dúvidas e os desafios são muitos – poucas as respostas e alternativas.