Poucos são aqueles que ainda têm ligação e confiança com seu sindicato. Os que ainda permanecem filiados o são por alguma benesse, como o plano de saúde, os convênios, ou coisa assim. É uma filiação ritual. Não se espera nada.
Por Elaine Tavares*
Há um filme francês, “Dois dias, uma noite”, que conta a saga de uma mulher trabalhadora, demitida, e que precisa pedir a ajuda dos colegas para poder permanecer no emprego. A proposta do patrão é de que ela convença os colegas a abrir mão de um bônus. Assim, em vez de pagar o bônus aos demais trabalhadores ele a manteria no emprego. Uma perversidade. A mulher passa dois dias e uma noite indo de casa em casa, falando com os colegas, com toda a carga dramática que isso tem, afinal, cada família tem suas necessidades e precisa do bônus.
O filme é uma porrada. Mostra a solidão de uma trabalhadora, desguarnecida de tudo. Não há um sindicato, não há um apoio. Não há nada. Só ela e seu desespero individual.
Vivemos tempos assim. Poucos são aqueles que ainda têm ligação e confiança com seu sindicato. Os que ainda permanecem filiados o são por alguma benesse, como o plano de saúde, os convênios, ou coisa assim. É uma filiação ritual. Não se espera nada. Os sindicatos amargam uma fraqueza sem fim. Na UFSC, ontem ainda, pude comprovar a dor pungente de um colega que vive sendo massacrado no local de trabalho, sem apoio algum. Disse a ele: vá ao sindicato. E ele me olhou com olhos de profundo desespero. Não consegue ver no sindicato um espaço de acolhimento de suas demandas. Não confia. Não acredita.
Faz-se necessário parar e pensar sobre por que as coisas estão assim. Por que uma ferramenta tão importante da luta coletiva está tão desgastada? Por que as pessoas não acreditam mais na força da organização gremial?
Não estudo esse tema, mas penso sobre isso. E tenho algumas intuições. Nada é sistematizado ou científico. São impressões que jogo aos companheiros e companheiras para o debate.
Temos vivido muitas derrotas na atual conjuntura. Fomos às ruas gritando “não vai ter golpe”, e teve. Gritamos “não passarão”, aos formuladores da reforma trabalhista, e passaram. Uma a uma nossas batalhas foram sendo perdidas. E enfrentamos agora mesmo, em Florianópolis, a derrota das OSs. Temos acreditado demais nas instituições, na Justiça da classe dominante, na ordem do sistema. Ora, esse povo não está por nós. Está contra nós. E nosso grito de protesto tem se dado também dentro da ordem, na passeata arrumadinha, na difusão do mesmo velho discurso, que parece não tocar mais ninguém. Acredita-se que com uma postagem no facebook tudo esteja resolvido e a informação espalhada. As redes sociais tomam o espaço da presença. Não é suficiente.
O trabalhador está, como quase todo mundo nesses tempos atuais, mergulhado numa rede de luzes e bits, que emana palavras e sons, mas não deixa nada. E nesse turbilhão, perde muito das referências sobre a vida que se expressa no chão da rua. A solidariedade de classe não existe, porque a mais-valia ideológica prepara as pessoas para competir e não para amar.
Desde os tempos do governo Lula, quando o sindicalismo começou a se acomodar de maneira mais rápida, tenho apontado esses elementos. Um sindicato não pode esperar que um governo - mesmo que seja o seu – lhe garanta os ganhos. Sindicato é espaço de luta, de crítica, de reivindicação e de organização da luta de classe. Não se trata de conseguir uma coisinha aqui ou ali no campo corporativo. É necessário criar e fortalecer os laços com as lutas maiores, de toda a classe trabalhadora. E ainda que estejamos no socialismo, esse momento de transição, haveremos de ter críticas e demandas de classe. Não se pode acomodar, nem domesticar. O sindicato é faca afiada da luta, e se perde o gume, como fazer?
Posso ser apontada como uma velha senhora do século XX, mas ainda acredito na força do sindicato. Ainda creio que esse é um instrumento valioso de organização e de corporificação das lutas coletivas. Mas, não esse que vemos aí. O sindicato que precisamos é o que se reinventa conforme caminha a conjuntura. É o que aprende com os erros, o que faz autocrítica, o que inventa novas formas de luta a partir das novas demandas, o que surpreende, o que acolhe, o que forma para a batalha, o que se mostra e age como uma ferramenta da luta da classe trabalhadora.
O sindicato desses tempos tem de voltar a se conectar de verdade com os trabalhadores. Cara-a-cara, face e face, mas esse "face" como cara e não como "feice", de Facebook. Precisa vida sindical na porta da fábrica, na porta do jornal, do centro de ensino, na porta da loja, em cada setor onde tiver um trabalhador. Sindicato que é visto, que pode ser tocado, com dirigentes que escutam, que acolhem, que olham, que abraçam e dizem: “Não temas, estamos aqui”.
Eu vejo essa massa da nova geração de trabalhadores, os diaristas, os intermitentes, os informais, os que têm carteira assinada e morrem de medo de perdê-la, todos com esse olhar de desamparo. Temem e não acreditam que possa haver um lugar, ou alguém, que esteja com eles. E se pensarmos bem, não estão errados. O que se vê são dirigentes burocratizados, em cima dos caminhões de som, em momentos pontuais. Distantes, inacessíveis, intocáveis.
Os sindicatos são espaços que conquistamos a custa de muito sangue de companheiros e companheiras. Ele deve ser espaço de construção de lutas, lutas renhidas, ferozes, mortais, contra os “vilões do amor”, como dizia Cruz e Sousa. Mas, para isso, é preciso outro tipo de sindicalista, sem temor, sem expediente de horário comercial, entregue, comprometido, disposto a tudo. Esse é o drama. Ser alguém assim exige demais, e poucos estão dispostos.
Mas, se não for assim, acabaremos todos como aquela moça do filme francês: sozinha e desesperada na dor. No filme, o final sugere que ela venceu o drama. Mas, eu creio que não. Pode até ter saído daquela experiência mais forte como pessoa, mas não como classe. E a guerra contra o capital não se vence no plano psicológico, nem no plano pessoal. A gente vence coletivamente.
É o nosso desafio. Precisa-se de um sindicato. Sim, precisa-se! E já!
Alguém pode dizer que as lutas podem se fazer sem aparelhos, sem direção, sem hierarquia, como já mostram muitos movimentos vividos no Brasil. Eu digo: sou uma velha senhora do século XX. Não creio nisso. Movimentos são importantes e travam grandes batalhas, mas a classe trabalhadora precisa estar organizada, em todos os campos. E os sindicatos são estruturas perfeitas para essa missão.