O trabalho agora é dividido em inúmeras funções, e o trabalhador muitas vezes só sabe uma pequena parte do processo.
Por Elaine Tavares*
Para o capital, o trabalhador é um não-ser. E, não sendo, não precisa de cuidado, nem de nada. Sua função, nesse modo de produção, é gerar lucro para um grupo muito pequeno da sociedade. E ponto final. Se ele morre, outro o substitui. É uma peça na máquina. Uma mercadoria, como outra qualquer, que pode ser adquirida a preço muito baixo.
Karl Marx mostrou muito bem como a coisa funciona. No começo do capitalismo a jogada foi singela: acenar com a ideia de liberdade. Se tivesse uma “Rede Globo” naqueles tempos, o William Bonner da época diria: “Aceite feliz a sua expulsão do campo. Agora, tu vais ser livre. Não precisarás mais trabalhar três dias para o dono da terra, sempre prisioneiro do senhor da gleba. Corra para a fábrica e venda lá a sua força de trabalho. Tu és livre. Tu és livre”. E foi assim que aconteceu.
As famílias foram expulsas do campo porque era preciso criar ovelhas para produzir a lã. As fábricas cresciam nas cidades e precisava de gente para tocá-las. Quem era dono das máquinas não queria trabalhar. O trabalho era e é para o pobre, o que nada tem além do seu corpo nu. E eles foram vender sua força de trabalho. Mas, apesar de serem muitos, não conseguiam impor sua “liberdade”. O patrão pagava o que bem queria, e os obrigava a trabalhar por 15, 18 horas. O salário pago mal dava para manter o corpo vivo. E essa é a regra do capital: nem tão pouco que leve a morte, nem tão muito que leve a não querer mais trabalhar. O trabalhador está sempre na linha da morte. Uma olhada nas condições de vida dos trabalhadores daquela época e tudo salta às vistas. Basta ler a obra prima de Engels “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra”, que serviu de inspiração para Marx.
O trabalho, no mundo capitalista, não é a ação do homem sobre a natureza para criar algo que é útil para seu uso, como foi ao longo dos tempos em que uma pessoa detinha todo o conhecimento sobre como produzir algo. Desde a colheita na natureza até o produto acabado. Não. O trabalho agora é dividido em inúmeras funções, e o trabalhador muitas vezes só sabe uma pequena parte do processo. Além disso, o trabalho funciona apenas como uma maneira de o patrão garantir a sua riqueza, porque ele lucra sobre a ação do trabalhador.
Marx explica: as mercadorias, cada uma delas, tem o seu valor expresso pelo tempo de trabalho socialmente necessário para sua produção. Então, para fazer um carro, o patrão tem de calcular o valor de cada material embutido no carro. Desde a extração das matérias primas, até sua chegada à fábrica. Cada pedaço do carro tem um valor, e esses valores, somados, dão o preço do carro que depois será informado ao comprador. Mas, tem uma mercadoria ali no carro, uma única mercadoria, que dá mais do vale: o trabalhador. É a mercadoria que ele vende – sua força de trabalho - que garante a riqueza do patrão. Mas, como assim?
É simples. Quando um patrão qualquer contrata um empregado, ele está comprando a mercadoria “força de trabalho” desse trabalhador. E é o patrão que define o salário. Hoje, 937,00, o mínimo. Segundo os economistas da classe dominante, esse seria o valor necessário para que uma pessoa conseguisse se manter viva, de maneira muito precária, mas viva o suficiente para seguir trabalhando. Pois bem, paga-se então 937 reais por oito horas de trabalho. Só que ao trabalhar quatro horas, a pessoa que está vendendo sua força de trabalho já está produzindo para o patrão o equivalente aos 937 reais que recebe. Isso significa que as quatro horas seguintes serão canalizadas para o patrão. Ou seja, é mais ou menos parecido com o que acontecia na idade média, quando o servo da gleba tinha de trabalhar três dias para o dono. A diferença é que naqueles dias o trabalhador sabia muito bem quando estava dando seu trabalho ao patrão e quando estava trabalhando para si, cuidando da própria terra. No capitalismo não é assim. As coisas estão escondidas. O trabalhador faz as oito horas e acha que está recebendo o valor das oito horas. Mas não. O valor que ele recebe equivale a quatro horas, o restante é o lucro do patrão. E Marx descobriu que na roda das mercadorias, a única mercadoria que pode fazer isso é a que é vendida pelo trabalhador. Por isso que o capitalismo é um modo de produção que só existe calcado sobre o trabalho das gentes. Sem esse trabalho, não existiria capital.
Uma antiga canção de Zé Geraldo, explica a mesma coisa que Marx. Diz assim: “Tá vendo aquele edifício moço, ajudei a levantar. Foi um tempo de aflição, eram quatro condução, duas pra ir, duas pra voltar. Hoje depois dele pronto, olho pra cima e fico tonto, mas me chega um cidadão. E me diz desconfiado, tu tá aí admirado, ou tá querendo roubar?” Ou seja, o trabalhador faz a coisa, mas ele não é dono da coisa. Ele não produz para si o prédio que levanta, o que ele produz para si é apenas o salário, aquele, que o mantém mais ou menos vivo. Assim que a relação capital x trabalho não é uma questão moral de diferenças ou luta de classe. É um mecanismo lógico de exploração dos que trabalham e vendem sua força de trabalho. A luta de classes é consequência necessária para superar esse roubo.
Então, é assim, o trabalhador produz o carro, o tecido, o edifício, a máquina, mas não é dono disso e muitas vezes sequer consegue comprar as coisas que faz. O que o trabalhador produz, de fato, é o capital, o lucro do patrão.
Aí vem alguém e diz: ah, mas se o patrão não tiver lucro ele não vai poder dar o emprego. Certo. Mas e se não precisasse ter patrão? E se todos trabalhassem para produzir uma riqueza social? E se a maneira de organizar a sociedade fosse outra? Uma sociedade onde as coisas úteis – e mesmo algumas inúteis - fossem produzidas e repartidas entre todos. Uma pessoa não precisaria explorar a outra. Todos trabalhariam, o trabalho criativo e não o que é danação, e todos poderiam usufruir. Quem disse que isso não pode ser possível? Ah, mas nunca teve uma sociedade assim. É, não. Mas, lá na idade média, quando os burgueses começaram a sonhar com o que depois virou o capitalismo também haveria de ter gente a dizer: “mas nunca teve uma sociedade assim”.
As coisas podem mudar, pela ação e pela força das gentes. Hoje, os chamados “trabalhadores livres” nada mais são do que escravos, alguns em gaiola de ouro, mas escravos. E são desimportantes. Vejam quantos profissionais graúdos, de grandes empresas que ao chegar a certa idade são demitidos. É porque o capital não pensa no trabalhador como uma pessoa que tem vida, tem filhos, tem sonhos. Não. A pessoa é uma mercadoria, e quando ela estraga ou fica velha, deve ser trocada por outra que possa produzir mais e melhor, garantindo mais lucro ao patrão. As pessoas – no caso, os trabalhadores – não importam. São pensadas como peças de reposição, com tempo de vida útil, como uma mercadoria qualquer. É por isso que a existência de uma classe que possui apenas a sua capacidade de trabalho é uma condição necessária ao capital.
Marx explica: na relação patrão x empregado a troca funciona assim: o trabalhador vende a força de trabalho e recebe o valor que garante, minimamente, os meios de subsistência, e só. Já o capitalista dá ao trabalhador, minimamente, os meios de subsistência e recebe dele o trabalho que é uma força criadora pelo qual o trabalhador não só restitui o que consumiu , mas dá ao trabalho acumulado um valor superior, ou seja, o lucro, que fica com o patrão. Nessa troca, o trabalhador só perde, e o patrão ganha duas vezes: recebendo a mercadoria pronta, e recebendo o mais-valor, o lucro.
E ainda tem uma coisa mais perversa no capitalismo. Aquele trabalhador que não consegue trabalho, o desempregado, é alguém que está fadado à morte. Porque a única coisa que ele tem é a sua força de trabalho. Se ninguém a compra, ele morre. Por isso tantos se submetem a empregos indignos ou a superexploração. E os donos dos meios – os patrões - sabem disso, e utilizam essa chantagem para garantir cada vez mais salários menores, que deixam o trabalhador na linha da morte, mas vivo o suficiente para ser explorado. A parada é dura para os trabalhadores!
A saída para isso tudo é mudar o modo de produção. Segundo Marx, é fundamental restaurar a unidade que havia entre o trabalhador e os meios de produção, mas tudo isso terá de se dar sob outra forma histórica, já que é impossível dentro do capitalismo. Esse é o nosso desafio, destruir o capitalismo e criar o novo.
À luta, pois.