Não que o Papa Francisco tenha reinventado a roda ou o Evangelho. Nada disso! Apenas fez da Boa Nova de Jesus seu lema, traduzindo-o em gestos, ações e visitas concretas.
Por Alfredo J. Gonçalves*
Mais do que um simples “aniversário de eleição do Papa Francisco à cátedra de Pedro”, neste 13 de março comemora-se na Igreja Católica a reemergência da pessoa e da Boa Nova de Jesus Cristo. E junto com o “profeta itinerante de Nazaré”, reemerge igualmente uma dupla centralidade: o Reino de Deus como centro da mensagem do Mestre, de um lado, e, de outro, os pobres como centro do Reino. Esse retorno ao núcleo querigmático dos escritos neotestamentários vem à tona desde as primeiras palavras e os primeiros gestos do Pontífice, para consolidar-se em seus breves discursos, suas Cartas Encíclicas (Lumen Fidei, 2013 e Laudato Si’, 2015) e sua Exortação Apostólica (Evangelii Gaudium, 2013).
A centralidade do Reino de Deus vem atestada com força profética e veemente em todas as páginas do Novo Testamento, mas de modo particular nos capítulos sobre as parábolas de Jesus. O Papa Francisco retoma, de forma complementar, seja a linguagem de tais narrações alegóricas, seja o seu conteúdo oculto. Quanto e este último, convém notar como Jorge Bergoglio tem insistido – e venha insistindo – sobre o fato de que a esperança escatológica do Reino tem primazia sobre os bens e riquezas deste mundo. Mas não é só isso! Enquanto os poderosos dominam as nações através de uma “política econômica que exclui, descarta e mata”, o Senhor chama para si o serviço aos mais necessitados. Os primeiros se dispõem a construir muros mediante uma “globalização da indiferença”. Jesus, além da ponte entre o céu e a terra, convida a estabelecer novas pontes que liguem pessoas, culturas e nações. A “cultura da solidariedade” constitui o alicerce para a preservação da “nossa casa comum” (Laudato Si’).
Não é diferente com a forma de comunicação. Em lugar de uma linguagem retórica e sofisticada, acadêmica e até mesmo hermética, não raro autorreferente, o Pontífice concede prioridade às expressões do dia a dia. A imagem da metáfora e a forma simbólica lhe são extremamente caras. Aprendeu a ser popular sem cair na banalização do uso da língua. Simples e profundo ao mesmo tempo, consegue extrair pérolas novas de um tesouro velho de dois séculos. Sabe que um “bongiorno”, “buonasera” ou “buon pranzo”, do ponto de vista da presença divina entre nós, por vezes vale tanto quanto um tratado teológico ou doutrinário. Isso não significa que não conheça a teologia e a doutrina. Ao contrário, conhece-as tão bem que é capaz de traduzi-las em palavras e gestos ligados à comunicação cotidiana e transparente.
No interior da centralidade do Reino, distingue-se claramente a centralidade dos pobres. Aqui corremos o perigo de repetir o óbvio. Bastaria um rápido sobrevoo pelos cinco anos de seu pontificado para dar-se conta de que os pobres ocupam parte central de sua solicitude pastoral do Papa Francisco. Ou ainda ter em conta, sempre no mesmo período de cinco anos, o contato vivo e caloroso com a “ovelha perdida” do Evangelho (Lc 15.3-7): povo da rua, prisioneiros e menores abandonados; pessoas com necessidades especiais; migrantes, refugiados e prófugos; crianças e mulheres vítimas da violência; trabalhadores sem terra, sem teto e sem trabalho... Enfim, pessoas doentes e indefesas, oprimidas e marginalizadas, excluídas e descartáveis no sistema da economia globalizada.
Seguindo de perto as intuições do Concílio Vaticano II, desde cedo o Pontífice fez questão de desfazer-se de solenidades demasiadamente pomposas e ostentatórias, como também de costumes e idumentária herdados de uma Igreja principesca e majestosa. Tampouco se apegou aos benefícios de uma aliança com o poder e riqueza. O ritualismo liturgístico também lhe é alheio. No seu modo de ser e de agir, a eclesiologia do Povo de Deus se sobrepõe à eclesiologia hierárquica. E isso não somente em discursos e promessas, mas na prática de uma opção evangélica firme e determinada. Evidente que semelhante postura lhe acarretou inimizade e mesmo perseguição, seja no interior como no exterior da Igreja. Mas trouxe-lhe igualmente o carinho do povo e o reconhecimento de não poucas autoridades e meios de comunicação. Não que o Papa Francisco tenha reinventado a roda ou o Evangelho. Nada disso! Apenas fez da Boa Nova de Jesus seu lema, traduzindo-o em gestos, ações e visitas concretas. Reavivou uma luz que, através dos séculos, e mesmo depois do já citado Concílio, andava meio esquecida e sepultada por um grande punhado de cinza.