Destruir a proposta bolivariana aparece como fundamental para quebrar a espinha de uma série de propostas na América Latina e no Caribe, com rasgos nacionalistas.
Por Elaine Tavares*
A semana que passou foi rica em novos acontecimentos na Venezuela, que hoje é o centro das atenções do imperialismo. Destruir a proposta bolivariana aparece como fundamental para quebrar a espinha de uma série de propostas na América Latina e no Caribe, com rasgos nacionalistas. Afinal, falar em defender a nação, ou em fortalecer a Pátria Grande soa como uma ameaça ao poder imperial exercido pelos Estados Unidos. Basta uma olhada na história e já podemos ver que qualquer governo que se preocupe com soberania nacional sofre imediatamente o ataque. Exemplos recentes são os países árabes que viram florir uma “primavera” de revoltas, as quais foram imediatamente incorporadas pelos Estados Unidos, garantindo a queda de líderes nacionalistas e a destruição completa dos países.
Venezuela segue esse cenário. Com Chávez começou a pensar outro tipo de nação, capaz de gerir suas riquezas em favor da maioria da população. E a renda do petróleo passou a ser usada para garantir saúde, educação, moradia e, principalmente, soberania popular. Através das missões e outras iniciativas de organização popular, as gentes começaram a ter sua voz não apenas escutada, mas levada em consideração nas políticas públicas. Uma virada considerada imperdoável pela pequena e insaciável elite local.
Nas eleições de 1998, quando Chávez chegou ao poder, poucos do cinturão tradicional de poder sabiam o rumo que o governo iria tomar. Mas, tão logo perceberam que o caminho era a soberania e o socialismo, o ataque começou. E mesmo já tendo sentido o índice elevadíssimo de aceitação popular do governo Chávez, com a experiência da Constituinte e do referendo, no qual o povo aprovou a nova Carta, a elite local resolveu dar um golpe em 2002. Repetiam práticas comuns no país, acreditando que seria fácil. Não foi. A aventura golpista durou poucos dias. Chávez foi reconduzido nos braços da população e seguiu com sua proposta de dar mais poder ao povo.
Desde aí as tentativas de golpe ou de desestabilização do governo não pararam mais. Houve um levante de militares em Altamira, também em 2002, houve a greve petroleira em 2002 e 2003 que quase paralisou o país, visto que a riqueza maior é o petróleo. E logo que a greve foi debelada veio a primeira versão das guarimbas em 2003. Guarimbas são ações violentas de grupos pequenos nas ruas. Em 2004 Chávez realizou um referendo, com o qual buscava melhorar a Constituição, ganhou em alguns pontos, perdeu em outros. Em 2007, nova edição das guarimbas, chamadas de “manitos blancas”, por conta da participação de jovens burgueses. Em 2013 Chávez se foi, possivelmente assassinado, ainda que a versão oficial seja a de um câncer.
Morto Chávez a oposição sentiu que poderia retomar o controle do país, mas se enganou outra vez. Maduro levou a presidência, vencendo as eleições. Desde aí não tem conseguido governar, tamanho tem sido o ataque, seja da oligarquia interna ou da mídia internacional. Uma campanha intensa de difamação e desqualificação do presidente Maduro, sendo pintado como um bronco, inculto e incompetente. É fato que no novo governo, sem Chávez, a ala mais à esquerda perdeu espaço e poder. O grupo que cerca Maduro está mais propenso a amansar o capitalismo, sem deixar de seguir o receituário chavista de garantir melhorias à população. Mas, tanto na economia como na política as propostas socialistas foram perdendo força. Muitos analistas concordam de que o governo perdeu o controle da economia por conta de medidas equivocadas.
Ainda assim, a direita venezuelana não afrouxou. Como já é sabido, a oligarquia latino-americana é aferrada ao poder e não quer saber de um gerente definindo as políticas. Quer ela mesma comandar. Então, não adiantou Maduro acenar com diálogo e negociações que, na verdade, garantiriam que a burguesia local seguisse atuando com vantagens. Assim, vieram novas guarimbas em 2014, cada vez mais violentas, e acabaram causando 43 mortes. Nesses episódios de terror nas ruas destacou-se o prefeito de Chacao, Leopoldo López, que chegou a incitar as pessoas pela televisão, a derrubar Maduro. Por isso, acabou preso, sendo responsabilizado pelas mortes que advieram.
A prisão do líder de ultradireita, que é vinculado a instituições bancadas pela CIA, a central de inteligência estadunidense, gerou mais um campanha midiática internacional contra Maduro, que passou a ser chamado de ditador, enquanto López ganhava o status de “preso político”. Como a campanha não funcionou dentro do país, o jeito foi partir para mais uma investida. Em 2015, a oposição logrou uma vitória, com a constituição de uma maioria na Assembleia Nacional, mas em vez de legislar para o povo, passou a buscar formas de derrubar Maduro. Não deu certo. Veio então a guerra econômica em 2016, quando os empresários que controlam a distribuição de produtos – cuja maioria é importada – decidiram esconder os produtos e provocar o desabastecimento. Esperavam assim, quebrar o espírito da gente bolivariana. Algo conseguiram. O país desde então está praticamente parado.
O governo tem respondido ao desabastecimento a custos muito altos. A moeda venezuelana foi às alturas e o dinheiro desvalorizou demais. O comércio paralelo explodiu e não são poucos os que lucram rios de dinheiro com a desgraça alheia. Inclusive gente ligada ao governo, chamados de “boliburguesia”. Há muitas críticas ao rumo que o governo tem dado à crise, e a falta de alimentos e outros produtos de primeira necessidade, que seguem sendo escondidos, enfraquece o ânimo da população.
Ainda assim, a guerra econômica também não conseguiu derrubar Maduro. Então, a oposição decidiu abrir caminho para a violência aberta. Esse ano, novas guarimbas passaram a aterrorizar a população. E não ficaram mais apenas no trancamento de ruas. Os partidários da direita, liderados por Lilian Tintori, mulher de Leopoldo López, chegaram a colocar fogo num jovem, acusado de “chavista” e são responsáveis por mais de 90 mortes até agora. Também iniciaram uma sequência de incêndios a prédios públicos, chegando a queimar um hospital infantil e a sede de um ministério onde havia uma creche.
Diante de mais um momento de profunda violência no país, muitos grupos criticaram o presidente Maduro por deixar correr solto o processo das guarimbas. A população, sentindo-se ameaçada, passou a exigir mais ação contra os indivíduos que estavam praticando esses crimes. E, enquanto alguns gritavam por um pulso mais firme, na imprensa internacional, as denúncias de violência por parte do governo aumentavam. Um impasse. O governo titubeava, a população cobrava e o mundo atacava.
A saída encontrada por Maduro, no que chamou de uma “proposta de paz” foi convocar uma Constituinte, permitindo assim que a população pudesse fortalecer ainda mais os processos de soberania popular. Novas críticas apareceram. Na mídia comercial a denúncia era de que a chamada da Constituinte era inconstitucional, que era necessário passar por um plebiscito antes. Mas, na verdade não é. Segundo a Constituição podem pedir a revisão constitucional 15% dos cidadãos, 30% da Assembleia Nacional ou o Presidente. Ocorre que o governo está colocado numa situação de guerra, sob ataque interno e externo. Está então usando os recursos que tem. Sem quebrar a lei, aposta na organização popular.
A oposição bem que tentou realizar um referendo para derrubar Maduro. Mas, a colheita de assinaturas, ao passar pela verificação do poder eleitoral, registrou pelo menos 10 mil nomes de pessoas já mortas. Assim, comprovada a fraude, a proposta não foi adiante. Por isso essa jogada agora, com o uso das guarimbas, e sob a alegação de que foram injustiçados. Não foram. O Conselho Nacional Eleitoral apenas cumpriu a lei.
De qualquer sorte, mesmo com toda a violência desatada pela oposição, o governo de Nicolás Maduro segue tentando dialogar e compor com a burguesia. Nessa semana que passou, cedeu alguns dedos, na tentativa de, pelo menos, estancar a violência das guarimbas. Recebeu a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, de dar prisão domiciliar a Leopoldo López, como um aceno de paz. O político da oposição, responsável por mais de 40 mortes, saiu da prisão por “razões humanitárias”, como alegou o STJ, por estar com problemas de saúde, embora as fotos de sua libertação mostrem um homem corado, de músculos torneados pela ginástica e bastante robustecido.
Maduro também está aceitando a realização de um plebiscito a ser comandado pela oposição no dia 16 de julho, ainda que não tenha qualquer legalidade, visto que a não foi formalizado pelo poder eleitoral. Ainda assim, a direita insiste em chamar o povo a votar exigindo que o processo constituinte seja barrado. As urnas serão colocadas nas igrejas - sempre à direita – e em alguns colégios particulares. O que por si só já denota o caráter do protesto.
E assim vai caminhando a “rebelião dos ricos” na Venezuela, a cada dia com uma nova tática, visando impedir o governo de governar, buscando em última instância impedir que o povo comande. Nos meios de comunicação chamam Maduro de ditador, mas se recusam a participar da Constituinte, que seria uma boa oportunidade para eleger seus delegados, comprovando assim que a maioria está com eles. Preferem realizar o tal plebiscito, que certamente será pífio, senão fraudado. Por fora, ainda tentaram um ataque cibernético ao organismo eleitoral visando impedir as eleições constituintes do dia 30. Ou seja, a guerra suja vai continuar.
Enquanto isso, as comunidades seguem se organizando e apostando tudo no processo Constituinte que pretende aumentar ainda mais o poder popular. Esse será mais um mês de intensa luta de classes na Venezuela. E, no destino das gentes bolivarianas, está também colocado o destino dos latino-americanos que sonham com a construção da soberania da Pátria Grande.