Frei franciscano do Rio Grande do Sul escreve crônica sobre missão em Roraima.
Por Frei Malone Rodrigues*
Estou sentando, olhando o horizonte. Para todo lado que dirijo meu olhar, contemplo a criação de Deus. É Deus sorrindo! Já estamos a dois dias a bordo do barco. Estou voltando de uma experiência missionária, junto ao povo da Amazônia. Nenhuma palavra, nenhum vídeo ou foto poderá revelar com tamanha sinceridade o que vivenciei.
A caminhada de Discípulo Missionário já havia me ensinado que não levamos Deus a ninguém... Ele já está lá. Está junto daquela mãe que sofre por não poder cuidar da saúde de seu filho. Impotente, ela vê as consequências da picada de uma cobra venenosa que aos poucos atrofia a perna de seu filho. Vejo Deus segurando a mão daquela mãe, que diante de tudo isso, não desiste. Deus já estava na casa daquele pescador, que nos seus 70 anos, trabalha fielmente para sustentar sua família. Deus estava sorrindo com aquela menina que sonha em ser artista. Deus confortava aquela senhora que a quatro anos não tem notícia do esposo. Deus chorava com aquela viúva, que viu a violência arrancar-lhe o esposo. Deus estava naquele barco que começou afundar ao nosso, estava naquele senhor que alertou e ajudou as pessoas a fugirem.
Estava no sorriso daquelas crianças que não saiam da nossa volta. Deus estava comigo, enquanto contemplava o pôr do sol e a mais de uma semana sem nenhuma comunicação, chorei de saudade...
Se Deus já estava lá o que fomos fazer então? Como franciscano, só posso dizer que fomos como um instrumento. Ele nos conduziu. Caminhamos entre aldeias, comunidades, vilarejos, florestas... Rezamos e professamos a nossa fé, partilhamos e escutamos, sorrimos e choramos. Vimos comunidades divididas, mas também contemplamos a fé de um povo que feliz aguardava a Celebração Eucarística. Vi crianças sorrindo enquanto eram batizadas, vi uma senhora renovar a sua fé em meio ao luto. Vi uma assembleia surgir do nada, a ponto de ter gente do lado de fora daquela sala improvisada...
Peregrinar por ambientes tão desafiadores não foi fácil. Chegar ao nosso limite físico e emocional nos conduz para os braços, ou melhor, para o colo de Deus. As experiências que trago no coração fazem com que eu sinta que jamais serei o mesmo novamente, e isso é bom! Não consigo mais olhar a vida... a nossa vida... a forma como a levamos... As crianças ribeirinhas e indígenas foram instrumentos de Deus e me ensinaram grandes lições.
No último dia, no último vilarejo, não por acaso, no vilarejo consagrado a Santa Maria, uma criança pediu que eu ficasse. Tentei explicar, mas sabe como é, para crianças não se pode explicar, só se pode permitir que eles leiam nossos corações. Abracei forte... Ele pediu para ir junto... Segurei o choro, e entreguei o meu Tau para ele... palavras não são permitidas neste momento, apenas gestos... Deus nos abraçava... Sinto o abraço de Deus...