Prisões são feitas para desumanizar população pobre e negra

Debate no teatro Tucarena, PUC-SP discute sistema carcerário brasileiro.

Por José Coutinho Júnior

No dia 14 de junho, o teatro Tucarena, da PUC-SP foi palco do debate Encarceramento em massa não é Justiça, promovido pela Rede Justiça Criminal.

Participaram do evento o rapper Dexter, Emerson Ferreira, egresso do sistema carcerário graduado em psicologia, Dina Alves, cientista social e ativista do movimento negro, Sidney Sales, sobrevivente do massacre do Carandiru e o Padre Valdir Silveira, coordenador nacional da Pastoral Carcerária. Monique Cruz, pesquisadora da Justiça Global, moderou o debate.

Dina Alves iniciou as discussões afirmando que é preciso entender o sistema prisional brasileiro como uma “ideologia de desumanização de corpos negros”. “O negro é visto como inimigo interno do país. O aprisionamento de uma mulher e um homem não é só dele, é puxar a família junto. O corpo negro que é preso já está marcado para ser exterminado”.

Por conta disso, é impossível falar na humanização de presídios. “O discurso de humanização da prisão, pra nós negros não serve. Temos que pensar em abolir as prisões, se o propósito dela é aprisionar o corpo negro”, diz Dina.

O judiciário, segundo ela, é um grande colaborador para o encarceramento em massa. “Como é o olhar do judiciário, branco e privilegiado, para essa população? As sentenças das mulheres que tive acesso seguem a mesma narrativa: elas tinham uma ‘personalidade voltada para o crime’, para justificar o aprisionamento de oito anos de mães, que estavam na ponta do tráfico de drogas, não eram sequer gerentes”.

Emerson aponta que há uma criminalização dos mais pobres e negros, que não tem os mesmos direitos da elite branca brasileira.

Pastoral-Carceraria“É complicado a questão dos direitos que temos, tanto dentro como fora da cadeia. Um dos impactos da quarta revolução industrial é o aumento da desigualdade social, e o Brasil lida com essa desigualdade criminalizando a pobreza”.

Como exemplo ele cita que há diversos mundos dentro de São Paulo. “Onde eu moro, na periferia de Embu das Artes, tem adolescente fumando maconha e isso é ser bandido lá; se eu vou na praça Pôr do sol, no alto de Pinheiros, a polícia escolta os adolescentes brancos que fumam maconha ali”.

Para Sydney, outro grande problema do sistema carcerário é que, quando a pessoa finalmente é solta, o preconceito social contra ela continua existindo.

“Quando saí da prisão depois do massacre do Carandiru, eu não tinha qualificação nenhuma pro mercado, não sabia nada de computador. Me envolvi novamente com droga e crime, fui baleado e desde então uso essa cadeira de rodas. Como a sociedade não me quis, também não quis a sociedade e voltei para o crime. Só consegui sair desse ciclo quando conheci duas missionárias que trabalhavam com detentos. Tem gente que consegue escapar pelo Rap, pelo estudo, eu escapei aceitando Jesus no coração”.

Dexter endossa esse preconceito constante apontado por Sydney. “O sistema manobra muito bem, gente como o Emerson e o Sydney devem ser duramente criticados pela sociedade, que ainda os veem como detentos, assim como me veem também”.

Para Dexter, a ressocialização dentro de um presídio não existe, pois o presídio não tem essa função. “Somos poucos os que escapam do sistema carcerário, e o objetivo de verdade é que a gente volte pra cadeia, porque nós custamos dinheiro”.

Ele conta que na sua primeira noite na prisão, teve de dormir no banheiro. A água pingava constantemente, ele teve de colocar um saquinho no chão e ficar lá. “E tem gente que acha que eu tinha que dormir lá mesmo, porque isso é ‘recuperar’ alguém”.

Segundo ele, a sociedade funciona de uma forma que impulsiona as pessoas mais pobres ao crime. “A TV me ensinou que pra ser bem sucedido precisava do carro x, do tênis y, e isso pra quem não tem educação é indução ao crime. Minha mãe não tem dinheiro, meu pai é alcoólatra, e eu queria ser igual ao traficante da quebrada: ele se veste bem, pega a mina mais gata da quebrada, eu quero isso pra mim. E é assim que você entra no crime, ninguém nasce querendo ser criminoso”.

Para Pe. Valdir, o sistema prisional tem a função de destruir a pessoa. “Quando se fala em humanização dos presídios… não dá pra humanizar um navio negreiro. Hoje condenamos a escravidão, mas convivemos com irmãos e irmãs enjaulados em condições inferiores de qualquer animal. Essa falta de consciência nós será cobrada muito em breve”.

O coordenador da Pastoral analisa o processo de destruição da individualidade de uma pessoa ao entrar na prisão. “Quando a pessoa entra, cortam o cabelo, tiram a roupa, determinam o que ela vai comer, quando ela vai comer, existe horário até pra ir ao banheiro. É retirado o direito de ler o que você quer, fazer o que quer. Não tem mais liberdade para decidir, nem iniciativa individual. As pessoas que vem visitar os presos passam pela revista vexatória”.

Os presos são humilhados e massacrados todos os dias, segundo Pe. Valdir. “Se uma pessoa fica doente, ela tem que gritar por socorro para ser atendida. A possibilidade de morrer no presídio é dez vezes maior que na sociedade. Falou-se muito dos massacres ocorridos no início do ano, mas o massacre nas prisões é cotidiano. Não temos números concretos de quantas pessoas morrem nas prisões, mas dados oficiais de São Paulo giram em 450 mortes ‘naturais’. O que é morte natural onde não tem remédio e médico, onde se grita até morrer?”

Fonte: Assessoria de Imprensa Pastoral Carcerária

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