Este Papa Francisco é um Papa que, por um lado, vem do Sul. Representa um pôr no centro da comunhão católica uma outra visão sobre o mundo e sobre a Igreja.
Por Natália Faria
Que balanço faz deste pontificado do Papa Francisco?
Este Papa Francisco é um Papa que, por um lado, vem do Sul. Representa um pôr no centro da comunhão católica uma outra visão sobre o mundo e sobre a Igreja. E que vem de um catolicismo sempre muito preocupado com as questões sociais, com as estratégias pastorais que privilegiam a opção pelos pobres como lugar fundamental onde a dinâmica das igrejas se deve recompor. Tudo isso é trazido para o centro. E a sua capacidade de proximidade do mundo católico é exponenciada pela transformação da esfera comunicativa, porque agora a massificação da presença do Papa junto dos católicos e das populações em geral faz-se não só pela mediação jornalística, mas pelas redes sociais, que são um espaço novo de inscrição que deu uma coloração diferente a este pontificado.
Recorda-se como, no logo início, quase se construía um anedotário acerca da proximidade do Papa com os católicos, com sketches humorísticos em que o Papa aparecia a telefonar a determinadas pessoas. No entanto, o facto de este Papa ter esta capacidade de um contacto tão próximo com o mundo dos católicos, a partir destes dispositivos, não reflui necessariamente de uma forma estrutural sobre a própria instituição católica. Diria até que, em última análise, este pontificado pode passar sem que esta adesão que o Papa consegue na relação direta com as pessoas tenha a capacidade de transformar a própria instituição na sua orgânica.
Pode pelo contrário exacerbar os setores mais conservadores da Igreja Católica?
Tem havido várias reações. Mas refiro-me ainda a outra coisa: a Igreja Católica é um edifício, sob o ponto de vista institucional, de alguma complexidade. É um dos grupos religiosos mais estruturados, tem um direito canônico que governa e organiza o seu habitat institucional. Sendo uma instituição deste gênero, ela não se transforma se não houver mecanismos de reforma da própria instituição. E é esse, claramente, o lugar da dificuldade que o Papa Francisco tem.
Ele encontrou formas muito facilitadoras de tornar presente a sua visão de Igreja junto dos católicos no espaço público, mas as instituições católicas não sofrerão alterações profundas se ele não encontrar também mecanismos de reforma que favoreçam a possibilidade de a Igreja ir mais ao encontro do seu modelo pastoral.
O Papa "encontrou formas muito facilitadoras de tornar presente a sua visão de Igreja junto dos católicos no espaço público, mas as instituições católicas não sofrerão alterações profundas se ele não encontrar também mecanismos de reforma que favoreçam a possibilidade de a Igreja ir mais ao encontro do seu modelo pastoral"
O Papa não está consciente dessa necessidade ou não tem conseguido fazê-lo?
Ele sabe dessa necessidade. Basta ver a importância que deu ao sínodo dos bispos que pode ser um dos instrumentos de renovação muito importantes. Ele está ciente disso. Porventura, não está a encontrar toda a solidariedade que seria necessária para que esse processo seja pelo menos mais rápido.
Ele será capaz de debelar as forças contrárias dentro da igreja Católica ou poderá ficar cada vez mais sozinho?
Tenho dificuldade em fazer prognósticos desse gênero. Posso observar que o facto de ele ter desanuviado bastante a relação do meio social envolvente com a Igreja Católica pode favorecer reformas internas. Em todo o caso, as mudanças precisam de uma gramática, de instrumentos. E tem havido alguma dificuldade em encontrar estes instrumentos.
Na década de 60 do século passado, no período de preparação anterior ao Concílio Vaticano II, quando o Papa João XXIII pensou que a Igreja precisava de uma reforma, que dispositivo de mudança encontrou? Fazer um concílio.
Ora, hoje seria mais difícil fazer isso através de um concílio. Primeiro, porque já não sabemos muito bem como fazer um concílio com a quantidade de bispos que existem na Igreja Católica. Mas também porque não é seguro que, num quadro alargado de representação universal da Igreja Católica, neste momento tão plural e tão diversificado geograficamente e ideologicamente, se encontraria a direção que o Papa Francisco julga necessária para a Igreja Católica nos tempos atuais.
Quais serão os instrumentos de mudança mais eficazes?
De uma forma geral, a estrutura institucional que é o cerne hierárquico da própria Igreja é o primeiro lugar que necessita de ser pensado. No fundo, a relação dos bispos com o Papa, que está muito refém de um aparelho eclesiástico em Roma, de um aparelho curial que não dá espaço suficiente ao diálogo que os bispos locais deveriam ter com o Papa.
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Depois, há o problema da ligação dos bispos locais ao seu presbitério, ao conjunto dos padres que estruturam uma igreja local. Por motivo de uma diminuição do clero, há uma grande dificuldade de organização das igrejas locais. Em muitos casos, os modelos de organização continuam os mesmos, o que quer dizer que temos menos padres para fazer aquilo que era feito por muitos mais. Em vez de se reinventar uma orgânica nova, aquilo que se tem feito é tentar fazer subsistir um modelo anterior.
A outra linha de atuação reformista diz respeito ao direito que governa e que organiza esta Igreja Católica. O direito canônico, que é uma gramática importante para a instituição, tem sido julgado pelos próprios agentes da Igreja como contendo aspectos que dificultam a prática eclesial e a sua resposta às novas situações. Repare na grande discussão que houve em torno do problema da família e dos divorciados recasados. Tudo isso é um sintoma das dificuldades que os agentes pastorais encontram no terreno e que, em última análise, embora possa haver outras razões, diz respeito a uma certa configuração jurídica do próprio edifício católico.