Advento

A esperança, enraizada na fé, não pode se basear em uma mera análise da realidade, por mais importante e útil que essa sempre seja.

Por Marcelo Barros*

Nos dias atuais, a análise da realidade social e política do Brasil e do mundo não favorece o cultivo da esperança. Cada dia mais, fica difícil pensar que "tempos melhores virão", como se o próprio ritmo do dia a dia garantisse que amanhã será melhor do que hoje. O evangelho diz que quem planta espinhos não pode colher uvas. Do mesmo modo, o jeito como a sociedade organiza o mundo revela um futuro nada bom. E o sistema dominante, tanto no plano da economia, como na política, sempre repete: "Não há alternativa! O jeito é esse".

coroadeadvento1No Brasil, assim, se justificam planos de austeridade que penalizam sempre os mais pobres e PECs, planejadas para transformar direitos sociais dos trabalhadores em despesas a serem evitadas. Os gerentes de governo e os meios de comunicação que os controlam falam em crise (sempre para os mais pobres) e nos preparam para o pior.

Nesse contexto, a nossa esperança pode ser alienada. Quem passa a vida jogando na loteria esperando um dia ganhar uma fortuna nunca analisou as raízes de sua esperança. É bonito ver pessoas que, contra tudo e contra todos os sinais, teimam em esperar o impossível. Elas mesmas não sabem porque esperam e de onde vem esse milagre de sempre esperar. No entanto, a parte mais consciente da humanidade, assim como, nas diversas tradições espirituais, os homens e mulheres que optam por viver a fé são chamados, como diz a carta de Pedro: "a estar sempre prontos a prestar contas das razões de sua esperança" (1 Pd 3, 15).

A esperança, enraizada na fé, não pode se basear em uma mera análise da realidade, por mais importante e útil que essa sempre seja. A esperança teologal se fundamenta na confiança de que, mesmo o sistema mais iníquo e o império mais poderoso do mundo não conseguirão impedir a realização da promessa divina.

Nas Igrejas antigas, como a Igreja Católica, esse último domingo de novembro marca o início do tempo do Advento. São quatro semanas de preparação à festa do Natal. Mas, o Natal não pode ser para nós apenas a festa ingênua e meio infantil de lembrar o nascimento do Menino Jesus. Tem de ser bem mais profunda. A gente recorda o nascimento de Jesus igual a nós em tudo, como pessoa humana, para reacender em nós a esperança de que, através de Jesus, o próprio Deus vem, hoje, em nossas vidas, revelar o seu projeto de amor.

De um modo mais profundo, o Advento é um tempo para reavivar em nós a esperança do reino de Deus e para nos dispor à proximidade de sua vinda. Ficar apenas em uma espiritualidade do Menino Jesus é ficar aprisionado a uma espécie de regressão psicológica sentimental que nada tem a ver com o projeto divino.

Alguém contou que, na língua alemã, há um modo lindo de afirmar que uma mulher está grávida. Diz-se que ela está "in der Hoffnung", ou seja, está em esperança. De fato, é a esperança que dilata o útero da humanidade e o torna acolhedor e disponível à nova vida que virá. Não é dessa esperança que fala a canção do Geraldo Vandré quando dizia que "quem sabe faz a hora, não espera acontecer". Essa outra esperança é sempre nova. É operativa e transformadora. Antecipa a hora e, como em um belo poema diz Dom Pedro Casaldáliga: "vive a urgência do saber esperar".

Acabo de saber do falecimento do comandante Fidel Castro. Deus já o acolhe no céu como testemunha do reino de igualdade e fraternidade pelo qual Fidel sempre lutou. Com a intercessão do nosso irmão Cechin e agora de mais esse companheiro na alegria do reino, Deus os/as abençoe e nos fortaleça todos/as nessa esperança.

"A noite quase passou e o dia se aproxima... Vivamos honesta e dignamente como em pleno dia" (Rm 13, 13 ss).

*Marcelo Barros é monge beneditino, escritor e teólogo.

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