Não existe uma verdade igual para todos. As leis, as regras, a cultura, tudo deve ser definido para um conjunto de pessoas; o que vale para um lugar pode não valer para outro.
Nei Alberto Pies*
O atual momento histórico exige afirmação dos ideais democráticos. As ditaduras (políticas, de consumo ou de mercado) são as maiores inimigas das palavras em diálogo e em movimento (que denominamos democracia). As ditaduras são extremamente hábeis em reduzir e simplificar o sentido e o significado das coisas que podemos pensar. Só a democracia permite alargar os horizontes das ideias que vamos construindo na história. Somente ela é capaz de considerar contradições e imperfeições dos pensamentos, para aperfeiçoá-los. Por conta disso, convivemos em permanente tensão entre aqueles que querem fazer das ideias exercício de liberdade e aqueles que desejariam dizer aos outros “o que podem e devem pensar e fazer”.
Nossa democracia ainda precisa ser muito mais exercitada, vivida e experimentada, para ser apreendida. Vivemos, por vezes, uma equivocada disputa entre ter posição e ser contra. As disputas, demasiadamente ideologizadas, não permitem que as palavras/conceitos se revelem em todos os aspectos, sob os mais diferentes pontos de vista. Ser democrático não significa ser dono da verdade. Significa estar aberto à construção do conhecimento, considerando as mais diferentes interpretações das coisas e dos fatos, num processo dialético de aprendizagem. A verdade surge no exercício do consenso, nem sempre fácil, mas sempre necessário.
Conquistamos a liberdade de pensar, mas ainda somos moldados em nossas ações por obra das ideias dominantes. Temos, então, a sensação de que nossas ideias pessoais nada resolvem, de que são fracas e impotentes. Isto comprova de que o mundo e as pessoas são movidos por ideias, que sempre estão em disputa na sociedade. E comprova que, isoladamente, nossas ideias perdem fôlego, não conseguindo concretizar-se. Somente as ideias gestadas e praticadas coletivamente conseguem romper com a lógica ideológica dominante, e conseguem traduzir-se em prática da vida cotidiana daqueles que resolvem assumir-se como sujeitos de seus conhecimentos e de sua história.
O problema é que nas ditaduras não somos educados para a cooperação e a solidariedade. Prevalece a cultura hedonista (de culto ao eu), que reproduz a ideia e o conceito dos vencedores. Aos vencedores, a
glória. Aos vencidos, os sentimentos de incompetência, revolta e impotência. E estes últimos sentimentos geram muitas tensões sociais e de convivência, desfavorecendo nossa condição de seres em relação.
A autonomia dos sujeitos é o maior marco da concretização de uma democracia real e verdadeira. A luta por democracia invoca novas relações interpessoais, baseadas na interdependência e na reciprocidade. Jean Piaget, ao estudar o juízo moral das crianças, nos ajuda a considerar que “a autonomia só aparece com a reciprocidade, quando o respeito mútuo é bastante forte, para que o indivíduo experimente interiormente a necessidade de tratar os outros como gostaria de ser tratado”.
Não é democrática a sociedade que não tolera os pensamentos divergentes e que combate as diferentes formas de organização social que buscam praticar e viver as ideias coletivas. Democrática é a sociedade que permite aos homens e mulheres realizarem-se em sua dignidade, preservando seu modo de ser, pensar e agir, individual e coletivamente. Pratiquemos e aprendamos, pois, a democracia, intensamente, sem nenhum culto às ditaduras.
Afirmemos, definitivamente, a democracia como a solução dos problemas coletivos. Fora da política (e da democracia) não há caminhos que promovam a dignidade e a liberdade humanas!