Não é mais o comunismo que assusta a população que foi chamada a votar na consulta popular, mas, a maré de migrantes que tem desembarcado no velho continente.
Por Alfredo J. Gonçalves*
“Um espectro ronda a Europa – o espectro do comunismo”. Essa é a célebre frase de abertura do Manifesto Comunista, escrito por Marx e Engels, em 1848. A mesma expressão tem aparecido nestes dias em algumas publicações da caráter jornalístico, tendo como tema de fundo o Brexit britânico. No referendum realizado pela Inglaterra, como já é sabido, a maioria dos cidadãos (cerca de 52%) se manifestaram favoráveis à saída da Grã Bretanha da União Europeia (UE).
Mudou, porém, o espectro. Não é mais o comunismo que assusta a população que foi chamada a votar na consulta popular, mas, de forma especial a “maré de migrantes” que tem desembarcado no velho continente nas últimas décadas. Bem entendido, a migração não é o único fator a ser levado em consideração, nem talvez o mais decisivo. Há outras motivações relevantes em jogo. Alguns exemplos: a austeridade de uma política econômica, ditada sobretudo pelas regras do FMI, da Alemanha e da burocracia de Bruxelas; a necessidade de reformas políticas urgentes, tanto em nível nacional quanto internacional; reformas trabalhistas realizadas em benefício do lucro das empresas e em detrimento dos direitos básicos dos trabalhadores; as contradições inerentes ao atual sistema previdenciário e ao envelhecimento da população, onde, de um lado, cada vez menos pessoas nascem e trabalham e, de outro, cada vez mais pessoas se aposentam e amplia-se a longevidade.
Resulta que não apenas um, mas vários espectros rondam o velho continente. O próprio resultado do referendum, por si só, representa um novo espectro. Por duas razões: primeiro, ao menos dois estados ligados ao Reino Unido (UK) – Escócia e Irlanda do Norte – já se articulam no sentido de usar do mesmo direito democrático para lançar uma consulta popular sobre a permanência ou não no UK. Na Escócia, por exemplo, a maioria da população votou pela permanência na UE. Cresce, em segundo lugar, as forças de oposição à própria União Europeia, paradoxalmente, forças de extrema direita, mas também de esquerda. É o caso, na França, dos que se agrupam em torno dos ideais de Jean-Marie Le Pen; na Itália, dos direitistas da Lega Norte, ao lado de Matteo Salvini, juntamente com os esquerdistas, de Beppe Grillo. Isso para não falar da Holanda e Aústria, entre outros. Em terceiro lugar, vem a Espanha. Fortemente dividida pelas últimas eleições, e por isso convidada neste domingo (26/06) a um novo pleito, corre o risco de não alcançar uma maioria que garanta a governabilidade.
Diante de tantos fatores contrastantes em cena, não poucos analistas falam abertamente na urgência de uma “reinvenção” da União Europeia. Os mais moderados, pretendem avançar a necessidade de retornar aos princípios (morais, éticos, políticos, culturais, etc.) que, depois da Segunda Guerra Mundial, nortearam os rumos de sua fundação, orientando-se pelas figuras de K. Ademauer, Alcide De Gaspari, Winston Churchill, Jean Monnet, Altiero Spinelli, para só citar alguns. Já os mais radicais, chegam a usar o termo revolução para discorrer sobre relevância de criar novas bases à UE, seja desde o ponto de vista socioeconômico, seja do ponto de vista político-cultural.
Segundo outra série de analistas, o Titanic europeu estaria em rota de colisão com um grande iceberg. Enquanto para uns, o iceberg encontra-se instalado em Bruxelas, com forte apoio da Alemanha e de sua política rígida e austera, para outros o iceberg é formado justamente pela questão demográfica. De acordo com estes últimos, impossível prosseguir com a nave, uma vez que no cofre do welfare state, progressivamente, mais pessoas retiram do que contribuem. O que fazer? A solução mais à mão é a construção conjunta de uma política migratória que tenha em mira não somente trabalhadores braçais e “descartáveis”, mas cidadãos plenamente inseridos da sociedade, com os mesmos direitos e deveres de qualquer pessoa nascida em terras do continente. Evidente que isso exige não apenas abertura de fronteiras e acolhida, mas sobretudo preparação e capacitação para os desafios de reconstruir a UE. E mais ainda, por parte dos governos, das instituições, da mídia e da população em geral, um combate firme, enérgico e vigoroso a todo tipo de preconceito, discriminação, racismo e xenofobia.