A vítima de estupro teve a sua privacidade invadida, foi-lhe negada a liberdade de escolha e foi transformada em objeto. Tantos estupros terminam em morte e em outros as vítimas são ameaçadas de morte.
Por Rodolfo Luis Weber*
Está em pauta o tema do estupro. Assunto que voltou com toda força, após a denúncia de um estupro coletivo de uma adolescente no Rio de Janeiro. Como todo crime, ele está sendo investigado pela polícia para apurar o que aconteceu.
Na sociedade violenta onde vivemos são mortos em torno de 60.000 pessoas anualmente. Além da morte física, outras milhares de pessoas sofrem agressões físicas, morais e psicológicas. No caso do estupro, temos a violência física que vem acompanhada de um violento atentado contra a dignidade da pessoa. A vítima de estupro teve a sua privacidade invadida, foi-lhe negada a liberdade de escolha e foi transformada em objeto. Tantos estupros terminam em morte e em outros as vítimas são ameaçadas de morte.
Por isso é um crime traz que tanto sofrimento para as vítimas e repugna tanto. Todas as vítimas de estupro e a sociedade clamam por justiça. Desejam uma punição rigorosa dos culpados. Além de punir o estuprador, a condenação também quer coibir e intimidar quem ouse cometer o mesmo crime.
Creio que comentar os estupros, indignar-se, protestar e punir os culpados são os primeiros passos, mas não os suficientes. Também é tempo de uma reflexão sobre o modo de viver da sociedade, sobre a cultura, sobre a educação e a transmissão de valores. As mudanças de uma sociedade e de seus comportamentos requerem mais que repressão. A mudança necessita de uma compreensão de ser humano, de educação e de inclusão social. Quem sou eu? Quem é a pessoa que está ao meu lado? Por que não tenho o direito de fazer do outro o que eu quero? Por que não posso transformá-lo em objeto dos meus desejos? Perguntas existenciais fundamentais que orientam a educação e a estruturação da sociedade.
Para enriquecer a reflexão recordo o pensamento de Emannuel Mounier (1905–1950), filósofo-cristão francês, que desenvolveu a filosofia do Personalismo. A Europa vivia uma crise ética, social, política e econômica. O fascismo e o nazismo estavam mostrando as suas garras e a segunda guerra mundial estava começando e depois explodiu. O clima era de pessimismo, de banalização da vida e de violência. Neste contexto, ele propõe uma reflexão sobre a dignidade da vida humana. Afirma o valor da pessoa como valor absoluto que nunca pode ser usada como meio, ser transformada em objeto. É a compreensão da pessoa enquanto totalidade e enquanto centro de todas as ações.
Mounier não está propondo um individualismo. Tomar o ser humano como pessoa é apreendê-lo como ser que se constrói historicamente, como ser situado, ser de comunicação, de adesão, de transformação. Isto mostra que o personalismo, ao apostar no ser humano, está também apostando na comunidade, já que a pessoa é comunicação essencial, é sair de si, é compreender, assumir o seu próprio destino e o destino das outras pessoas.
Ao mesmo tempo em que afirmou o valor absoluto da pessoa, Mounier anunciou também a importância da vida comunitária. O homem só se torna pessoa e se realiza na comunidade. É neste sentido que, na perspectiva personalista, o social e o político são expressões do pessoal. É por isto que Mounier clama em favor de uma revolução, ao mesmo tempo, personalista e comunitária. Quer, assim, uma revalorização da vida das pessoas e da vivência comunitária. Para garantir essa reestruturação, é necessária uma profunda transformação política e social, de modo que todas as instituições sejam estruturadas em função da promoção da pessoa.
A pessoa é um absoluto. Isto significa que a pessoa vale por si mesma. Ela é dotada de dignidade intrínseca. A pessoa nunca poderá ser um meio, terá que ser sempre um fim. A pessoa, na visão personalista, é um ser integral, dotado de corpo e alma, desejos, liberdade, responsabilidade e transcendência. Enquanto tal, é capaz de conhecer, de decidir, de responsabilizar-se. Entretanto, estas capacidades não são dadas, mas são construídas nas relações que a pessoa mantém consigo, com os outros, com Deus, com o meio natural e social.