Os Estados Unidos, apesar de abrirem os arquivos da ditadura argentina, seguem patrocinando golpes pela América Latina e pelo mundo, em nome dos seus interesses, enquanto fazem discursos de "defesa dos direitos humanos".
Por Elaine Tavares
Depois de fazer críticas ao governo cubano em Cuba, chamando os jovens para criar uma "nova Cuba", o presidente dos Estados Unidos seguiu para a Argentina, onde se encontrou com Maurício Macri. Lá, ao contrário do que aconteceu na ilha, disse que "por imparcialidade e respeito" não iria falar sobre os problemas locais, como o caso dos fundos buitres (fundos especulativos que aumentam a dívida pública do país). Aos jornalistas frisou que o presidente argentino mantém uma atitude construtiva para debelar o litígio e ressaltou que a democracia é bem melhor do que a ditadura de uma pessoa. Afirmou isso referindo-se a Cuba.
Obama falou também sobre o terrorismo e que ele e Macri haviam decididos trabalhar juntos para acabar com esse problema, bem como no combate às drogas. "Estamos prontos para trabalhar com a Argentina. Com o presidente Macri, o país está tomando seu lugar de líder na região".
Na conversa com a imprensa ao ser questionado sobre o papel dos EUA nos anos 70, com as ditaduras na América Latina, Obama respondeu: "Passei muito tempo estudando a história da política exterior e como a de qualquer país há momentos de glória e outros que foram o contrário do que deveria representar a América". Ou seja, desconversou. Visitou o monumento aos desaparecidos e usou de sua retórica para homenagear "o heroísmo e a coragem dos que se opuseram ao regime militar". Esse ano os argentinos recordam os 40 anos do regime que desapareceu milhares de pessoas, cujos corpos até hoje são buscados. E nunca é de menos lembrar que os regimes militares na América Latina fizeram parte de um plano - o Plano Condor - para barrar o comunismo, levado a cabo pelos Estados Unidos, inclusive com o treinamento dos militares para o terror e a tortura.
Os elogios ao dinamismo visto nos 100 dias de governo de Macri também não são à toa. O presidente argentino tem destruído sistematicamente todos os pequenos avanços conseguidos nos governos passados, de Nestor e Cristina Kirchner, e tem se alinhado de maneira canina ao modo neoliberal de governar. Logo, é o parceiro ideal para promover a "democracia estadunidense" no sul da América.
Ao contrário de Cuba, onde foi recebido sem protestos, na Argentina a coisa foi bem diferente. Organizações de esquerda realizaram atos e marchas em vários pontos da cidade, aos gritos de "alerta, alerta, alerta que camina, el antimperialismo en América Latina!" Os manifestantes também repudiaram que a visita de Obama acontecesse numa data que é tão dolorosa para os argentinos, quando se cumprem 40 anos do violento golpe militar que ceifou tantas vidas.
Hoje - para além dos discursos de "reconciliação" feitos por Obama, que não quis entrar em discussão sobre a ditadura, mas insistiu em "tocar a vida para frente" - os argentinos devem sair às ruas de novo, chamando pelo nome seus mais de 36 mil desaparecidos, muitos deles jogados vivos ao mar. E também vão protestar contra o novo presidente - tão elogiado por Obama - que tem tentado livrar da cadeia os torturadores e os responsáveis pelo mando de tantas barbaridades durante o regime militar.
Para os velhos militantes, como as avós e mães da Praça de Maio, a presença de Obama num dia como hoje é ofensiva, até porque os Estados Unidos, apesar de abrirem os arquivos da ditadura argentina, seguem patrocinando golpes pela América Latina e pelo mundo, em nome dos seus interesses, enquanto fazem discursos de "defesa dos direitos humanos".
*Elaine Tavares é jornalista.