Morte da política?

A política, em essência, é a arte de governar e administrar os diferentes interesses da coletividade. Como interesses são sempre difusos, e as ideias sempre em disputa, quem fará a mediação?

Por Nei Alberto Pies*

Os sensatos, os democratas e os inteligentes deste país devem reagir frente às bobagens, atrocidades e inverdades ditas aos quatro ventos, de norte a sul deste país, sobre a morte da política. Num programa da Rádio Atlântida do Rio Grande do Sul de hoje, dia 17 de março de 2016, escutei pérola de um dos apresentadores: “fortalecer os demais poderes como o Judiciário para endireitar a política. Como ninguém mais presta, pelo menos o babaca que a gente eleger vai ter que andar direito”. Vejam a que ponto chegamos!

política34No sagrado direito de perguntar, meus questionamentos: a quem interessa mesmo desmoralizar a política e todos os políticos? Demonizar a política não é justamente condenar toda a sociedade à ditadura dos pensamentos únicos e instrumentalizados como a Justiça? Quem reinará num mundo sem política? A quem nos dirigiremos para resolver os problemas de coletividade?

A política, em essência, é a arte de governar e administrar os diferentes interesses da coletividade. Como interesses são sempre difusos, e as ideias sempre em disputa, quem fará a mediação? Serão os tecnocratas da lei, aqueles que em nome da mesma sentem-se acima do bem e do mal, podendo inclusive massacrar os indivíduos e os coletivos acusando-os, julgando-os e condenando-os sumariamente?

A herança das nossas ações políticas deriva da experiência grega da pólis (cidade). Política, derivado do adjetivo originado de pólis (politikós), significa tudo o que se refere à cidade e, consequentemente, o que é urbano, civil, público, e até mesmo sociável e social. O termo política foi usado durante séculos para designar principalmente obras dedicadas ao estudo daquela esfera de atividades humanas que se referem de algum modo às coisas do Estado.

Num mundo onde supervalorizamos direitos individuais sobre os direitos coletivos, talvez nem precisemos de exercícios imaginários de futurologia para prever total supressão da política. Neste caso estaríamos, todos, subordinados “às letras frias das leis”. Sem mediações para encaminhar as novas demandas (necessidades, demandas e novos direitos), ficaríamos reféns dos entendimentos dos juízes, os doutores das leis. Eles, somente eles, teriam o poder de decidir nossos destinos e direitos. Os direitos individuais correriam menos riscos, mas os direitos sociais seriam todos banidos porque ninguém mais seria autorizado a organizá-los e defendê-los.

Fora das contradições dos discursos e das realidades, alcançaríamos a tão sonhada zona de conforto da organização da sociedade: a perfeição. Não a Justiça, esta já não importa mais. O valor mais nobre da “sociedade nova” será o cumprimento rigoroso das leis e das imposições advindas destas. Um novo reinado, das leis, onde a fragilidade dos homens e mulheres estará para sempre resolvida a partir da neutralidade jurídica.

Não estou convencido de que a supressão da política é caminho para salvaguardarmos a dignidade humana, os direitos individuais e os direitos sociais. Muito antes, pelo contrário, prefiro crer, devemos ressignificar a política democrática sem qualquer pretensão de afastar contradições e seus eternos conflitos (de interesses). Uma sociedade moderna deveria investir mais na proximidade, na interação e nas relações interpessoais para superar estranhamentos, característicos de nosso momento histórico.

Vivemos tempos onde poucos apostam na convivência, na escuta, na tolerância e nas suas capacidades criativas e argumentativas como as melhores formas para resolver problemas da humanidade.

Poderíamos, ainda, atualizar pensamento de Charles Chaplin, 1940: “Mais do que máquinas (agora leis), precisamos de humanidade. Mais do que inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem estas virtudes a vida será de violência e tudo estará perdido”.

*Nei Alberto Pies, professor, escritor e ativista de direitos humanos.

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