Bispos das dioceses atingidas pelo rompimento da barragem da Samarco Mineradora se manifestam em defesa dos ribeirinhos e povos indígenas
Por Assessoria de Imprensa
A tragédia provocada pelo rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, da Samarco Mineradora, controlada pela Vale e BHP/Biliton, no distrito de Bento Rodrigues, município de Mariana-MG, ocorrida no dia 5 de novembro, chocou o mundo. Os estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, por um longo tempo, trarão as marcas desta tragédia cujas consequências ainda estão longe de ser mensuradas com precisão.
A vida de moradores do distrito de Bento Rodrigues e de trabalhadores da mineradora, bem como da fauna e da flora ao longo da bacia do Rio Doce, ceifada pela lama, não será esquecida jamais. O tsunami de rejeitos que levou impiedosamente os distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, em Mariana, afogou também a história e os sonhos de sua gente. O mesmo se diga do município de Barra Longa que pranteia a destruição de comunidades rurais e do centro de sua cidade, agora invadido por máquinas provocando situações de desconforto nunca imaginadas.
O Rio Doce agoniza sob o olhar indignado de seus cuidadores, impotentes diante de tamanha tragédia. Dói constatar o comprometimento de seus afluentes, a morte de seus peixes, a poluição de suas águas e a incerteza de que volte a ser fonte de subsistência para as populações e a natureza. Esta tragédia feriu de morte o meio ambiente, “bem coletivo, patrimônio de toda a humanidade” (LS, 95).
Pensamos nas populações dos municípios atingidos nos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo que vivem situação de morte por causa desta tragédia, seja pela falta de água ou por sua qualidade comprometida; nos pescadores, que ficaram sem sua fonte de renda e sem perspectiva de que um dia possam retomar suas atividades; nos índios Krenak, cuja relação com as águas do Rio Doce é carregada de cultura e religiosidade; nos agricultores que tiravam da terra, regada pelas águas do Rio Doce, sua sobrevivência.
Diante disso, as dioceses da Bacia do Rio Doce – Mariana, Itabira/Coronel Fabriciano, Caratinga, Governador Valadares e Colatina -, juntamente com a Comissão de Meio Ambiente da Província Eclesiástica de Mariana, Caritas Brasileira Regional Minas e Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), reunidas em Mariana-MG, no dia 22 de dezembro de 2015, manifestam-se inequivocamente do lado dos atingidos. Defender seus direitos e cuidar para que se lhes faça justiça será nossa tarefa permanente.
O momento é de unir esforços em favor dos atingidos e do pleno restabelecimento socioambiental, contudo, sem assumir compromissos e responsabilidades que competem aos causadores da tragédia. Por isso, é urgente apurar as causas do rompimento da barragem, identificando e responsabilizando os culpados, cuidando para que não haja impunidade nem conivência com o ilícito, e que os direitos dos atingidos sejam garantidos.
Passada a situação emergencial, as negociações se voltem para a compensação, reparação e indenização dos atingidos e a recomposição da bacia do Rio Doce. Insistimos que tudo seja feito coletivamente, respeitando-se o protagonismo dos atingidos que devem participar de todas as decisões que lhes dizem respeito. Exortamos os atingidos a se unirem a fim de que se constituam numa força para resistirem neste longo e penoso processo de reconstrução de suas vidas.
Esta tragédia enseja repensar o atual modelo de desenvolvimento em andamento no país que coloca o lucro acima de tudo, desconsiderando a vida humana e a do planeta. A atividade mineradora pode até trazer boa arrecadação aos municípios em que é realizada, mas é imperioso perguntar: a que preço? Não sejamos ingênuos, “o ambiente é um dos bens que os mecanismos do mercado não estão aptos a defender ou a promover adequadamente” (Pontifício Conselho Justiça e Paz – CDSI, 470). Urge “pensar também em diminuir um pouco a marcha, pôr alguns limites razoáveis e até mesmo retroceder antes que seja tarde” (LS 193). Não é possível mais viver sob a asfixiante corrida do consumismo alimentado por uma economia que faz do dinheiro um ídolo diante do qual todos se ajoelham.
Rever as políticas de mineração no país é inevitável. Aos parlamentares cabe esta irrenunciável tarefa que deve ser assumida na perspectiva do bem comum e jamais de interesses particulares ou de grupos que detêm o poder econômico. Que a sociedade civil organizada seja ouvida e levada a sério na elaboração do novo código de mineração em tramitação no Congresso Nacional. Os órgãos de fiscalização e controle social cumpram seu papel sem ceder à tentação da corrupção ou a qualquer tipo de pressão.
As autoridades competentes não se omitam no compromisso de fazer justiça às pessoas e à ecologia. Os meios de comunicação social, fiéis ao seu dever de informar com verdade e ética, não cedam ao poder econômico que corrompe nem à tentação de fazer da tragédia um espetáculo que deforma. Os Movimentos Sociais e as Organizações Não Governamentais empunhem a mesma bandeira da solidariedade e da justiça em prol dos atingidos e do meio ambiente a ser recuperado. As Igrejas cristãs, no contexto da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016, coloquem-se a serviço desta causa, motivadas unicamente pela força do evangelho que nos manda amar sem medida, fazendo-nos próximos uns dos outros. Nossas comunidades apoiem e favoreçam a organização e articulação dos atingidos, inclusive de grupos e movimentos que os assessoram.
Confiantes na proteção de Deus e na intercessão de Nossa Senhora, e comprometidos com a esperança afirmamos: “somos afligidos por todos os lados, mas não vencidos pela angústia; postos em apuros, mas sem perder a esperança; derrubados, mas não aniquilados” (2Cor 4,8.9b).
Mariana, 22 de dezembro de 2015
Dom Geraldo Lyrio Rocha
Arcebispo da Arquidiocese de Mariana-MG
Dom Antônio Carlos Felix
Bispo da Diocese de Governador Valadares-MG
Dom Emanuel Messias de Oliveira
Bispo da Diocese de Caratinga-MG
Dom Joaquim Wladimir Lopes Dias
Bispo da Diocese de Colatina-ES
Dom Marco Aurélio Gúbioti
Bispo da Diocese de Itabira/Coronel Fabriciano