E o Natal chegou...

É, mais um Natal que chega, e ainda podemos enxergar que a situação permaneça a mesma, em favelas, vilas periféricas das cidades, acampamentos improvisados de gente pobre e miserável, migrantes e refugiados aqui no nosso Brasil e em todo o mundo.

Por Edil Tadeu Pereira França*

Nosso Natal chegou, deveria ser um dia diferente, um dia de um renascer cheio de paz, cheio de esperança... Mas ao redor do nosso mundo fico imaginando que pessoas iguais a nós, filhos do mesmo PAI, não colocam em seus pensamentos, que a celebração desta noite não é e nem pode ser igual aos outras do ano inteiro; pois enquanto estão se fartando em seus banquetes natalinos; muitos, mas muitos mesmos estão sentindo uma chuva de miséria caindo sobre suas cabeças; muitas crianças estão morrendo de fome, muitos mendigos que morrem de frio, talvez porque nestas categorias de irmãos nem uma ave gerada por grandes empresas nãos lhes chega à mesa, ou um cobertor de fibra importada não lhes foi oferecido para se aquecerem. Essas pessoas merecem um pouco mais de uma ação cristã social, e nós não podemos simplesmente ignorar que estes seres humanos existem e continuam a fazer parte de nossas vidas, nós não podemos deixar nosso egoísmo sem que uma pitada de sentimento humano venha a colorir as luzes deste Natal de nossos pobres, os pequenos de nosso Pai Javé.

Não podemos fechar nossos olhas para um espírito de solidariedade que fica acentuado nesta época do ano e que mobiliza grupos de voluntários que pensam no Natal das pessoas pobres. Lá segue este grupo juntando presentes, pois esperam expressar para essas pessoas que também aguardam uma demonstração de carinho e amor, que se preocupam com eles. Alguns grupos acabam promovendo campanhas para arrecadar donativos com a intenção de deixar o Natal destas famílias mais alegre. Tudo isso é feito em nome de uma utopia, uma utopia que massageia o ego dos doadores, faz bem a quem doa; porém, mas nos esquecemos de que não é apenas de uma noite que nosso povo sofredor precisa encontrar a felicidade, não é apenas em um dia que uma refeição irá os fartar; são muitas noites em que a penúria os trairá, e muitos dias onde a fome os ceifará. Neste dia devemos nos unir em uma grande oração para converter nossas atitudes e o nosso coração para o doar incondicionalmente, no dia a dia, e não apenas nestes festejos.

presepionatal1Como cristãos devemos lembrar que nossos explorados presépios deveriam ter o significado histórico do nascimento de Jesus Cristo, uma criança pobre sem-teto, cuja mãe estava muito mal abrigada, como acontece com mendigas, contando apenas com o marido para assisti-la, é cada vez menos lembrado; pois os magazines ou o pequeno comércio entopem suas vitrines aproveitando a época do natal para impor compras e vendas “justificadas” como indispensáveis fortalecendo uma cultura generalizada e paranoica de um consumismo avassalador, capaz de, como a sua própria denominação induz, consumir tudo. Até a paz e a tranquilidade do ano que vem, para aquelas pessoas comprometidas com as dívidas assumidas para isso. E assim o Natal prossegue imitando aqui até o frio do hemisfério norte nesta época do ano. São Nicolau, então, cuja generosidade para com os pobres inspirou esse velho, desse também não se cogita, não se lembra, e nem se fala.

E tudo está ficando completamente alheio à celebração de um aniversário que, paradoxalmente, é o de uma pessoa se fez doação, um presente, esse sim, a toda a humanidade. Para a pobreza do Menino recém-nascido, como para todas as crianças que ainda vêm ao mundo agora sem assistência médica e um atendimento basicamente digno para a acolhida carinhosa de uma nova vida, aquela forma de celebrar o Natal é escandalosa e debochada; e para quem festejar o Natal indiferente às causas e aos efeitos de um sistema socioeconômico gerador de partos como o da mãe do Menino Jesus, parece não entender nada deste nascer revolucionário, que desde o nascimento, mostrou-se o testemunho de vida daquela Criança para toda a humanidade. O direito de nascer e de viver com dignidade nem precisaria de expressão legal se o amor testemunhado por Ela fosse assumido como um modelo simples e prático de convivência fraterna e solidária entre todos. Hoje se faz necessário comparar o Nascer do Menino Jesus, com as causas econômicas, políticas e sociais responsáveis por nascimentos que denunciam, passados milênios, como do respeito ao ser humano, de qualquer condição, etnia, renda, ou outra qualquer diferença, ainda carece a atenção de toda a sociedade.

É, mais um Natal que chega, e ainda podemos enxergar que a situação permaneça a mesma, em favelas, vilas periféricas das cidades, acampamentos improvisados de gente pobre e miserável, migrantes e refugiados aqui no nosso Brasil e em todo o mundo, o mercado conta com um poder sedutor de consumo suficiente para esconder e até negar essa realidade. Pois até a Constituição Federal enxerga, e reconhece a necessidade de se “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. E mesmo para quem não tem fé na encarnação de Deus, naquela Criança – O Cristo, o fato de quanta gente ainda vai passar esse natal sem um teto que lhe abrigue, quantas mães ainda terão de parir seus filhos e filhas em acampamentos improvisados, cortiços, subhabitações e favelas, não permite esconder a injusta desigualdade que a celebração do Natal revela uma distância concreta, refletida na grande diferença existente entre os berços dos bons hospitais e a manjedoura.

Natal data cheia de alegria, porém com muita tristeza, pois pela força da injustiça social, não se cria uma historicidade, e nem tão pouco se lembra, do nascer como esta criança de Belém, pois nenhum presente recebeu apenas faixas e o calor de uma vaca e de um jumentinho, apenas se troca às vezes por um “gato na energia” ou o calor do carvão em uma lata; não se assume a revolução marcada por um nascimento, pois tentar-se-á apagar as mazelas que deverá sofrer pela caridade e solidariedade, porque é Natal.

É Natal... Não vamos esquecer que em nossos templos, igrejas e catedrais estaremos celebrando esta noite de luz nas maiores alegrias, cantatas, missas solenes, corais maravilhosos; nos vestiremos com a melhor roupa, os sinos soarão; mas as vezes não muito longe da li, nossos irmãos estarão com seus estômagos vazios; um bebe chorará por uma mamadeira, uma mãe partilhará um pãozinho com seus filhos, pois é a comida que tem para jantar; seus filhos na manhã de Natal por vezes brincará com um brinquedo catado num lixo, que foi descartado por quem ganhou um eletrônico de última geração, sua filha brincará de casinha com uma boneca jogada em um canto qualquer por outra menina qualquer que ganhou uma que fala e faz qualquer micagem que a eletrônica lhe permite; e os cantares em nossas igrejas se estivessem mais perto dos “pobres de Iahwe” se misturariam com o choro das mães em seus barracos ou sob as marquises das calçadas, e fariam um coro misto de alegria e dor, pois o Cristo nasceu para todos.

* Edil Tadeu Pereira França é Leigo Missionário da Consolata, teólogo e assessor da CTP Núcleo Cotia. Coordenador Ministério Leigo da Paróquia S. Judas Tadeu.
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