Moedas e milhões fazem parte do cenário da produção, comercialização e consumo. Mas não deixam de fazer parte, também, do universo religioso.
Por Alfredo J. Gonçalves*
A moeda da pobre viúva, em contraste com as ofertas ostensivas dos escribas e fariseus, no espaço do templo sagrado, chama a atenção de Jesus. E este, por sua vez, adverte seus discípulos para o engano das aparências. Enquanto as autoridades religiosas depositam diante do altar o supérfluo, a pobre mulher oferece tudo o que possui. Numa palavra, coloca-se ela mesma, com toda sua vida, nas mãos de Deus.
Moedas, em geral, significam gotas de suor; milhões representam mais que tudo golpes de astúcia. Moedas são fruto do esforço das próprias mãos, milhões resultam da exploração de outrem. Moedas significam familiaridade com os pobres, milhões fazem parte do mundo dos ricos, “milionários ou bilionários”. Moedas figuram como “personagens” no palco da economia real, milhões como “personagens” no campo virtual da especulação. Moedas circulam de mão em mão, milhões se ocultam atrás de papéis, de bancos e de armas. Enquanto as moedas pertencem ao dia a dia das lutas e sonhos populares, os milhões têm a ver com mansões e fortalezas, castelos e templos.
Vale o mesmo tanto no ato de ganhar, quanto no ato de gastar. No ato de ganhar, as moedas se ajuntam lentamente, pacientemente, laboriosamente; de sol a sol, ao duro ritmo da jornada de trabalho. Os milhões se acumulam de forma rápida, inconsciente e indiscriminada, como soma e multiplicação de inúmeros “serviços” invisíveis, informais ou subterrâneos, não pagos ou pagos a baixo preço. Moedas e milhões, símbolos opostos de dois polos igualmente opostos: trabalho e capital. Não é diferente no ato de gastar. As moedas deixam os bolsos e as mãos com sacrifício, cuidado e extrema parcimônia. Os milhões, em forma de cheques, notas promissórias ou propriedades, escorregam por entre os dedos sem ao menos tomar contato com eles. As moedas se vão como que regadas de pranto e lágrimas, conscientes do esforço que representam e que levam consigo. Os milhões voam com a mesma rapidez e insensibilidade com que pousaram nesta ou naquela conta, neste ou naquele banco.
Seja ao adquirir seja ao consumir, as moedas pingam gota a gota, como filhas verdadeiras do próprio suor, nuas, completamente despidas de zeros e cifrões. Estes, ao contrário, se multiplicam para engordar e pavonear os milhões, sempre soberbos, poderosos e arrogantes. Umas e outras – moedas e milhões – podem ter origem legítima ou ilegítima., legal ou ilegal Ambos podem ser extorquidos, fruto de trabalho não remunerado ou podem cair nas mãos dos ladrões. Ambos estão sujeitos ao vírus da corrupção. De maneira geral, porém são os milhões que entram em campo no jogo da cobiça, da concorrência e da competição. As moedas se parecem mais às migalhas que caem da mesa.
Moedas e milhões fazem parte do cenário da produção, comercialização e consumo. Mas não deixam de fazer parte, também, do universo religioso. Este, não raro, reflete e reproduz aquele. Não poucas vezes, os critérios da exploração e do acúmulo capitalista prevalecem tanto nos corredores obscuros e labirínticos da sociedade do mercado total, quanto nas sacristias e nos cofres dos templos sagrados, para sequer mencionar a vida privada dos prelados e pretensos pastores. O próprio Papa Francisco tem denunciado com inusitada veemência práticas suspeitas de alguns de seus colaboradores mais próximos no interior da da Igreja, e mesmo em sua cúpula, o Vaticano.