A principal lei da Igreja está escrita em latim.
Por Edson Luiz Sampel *
Uma língua moderna, como o inglês, qual meio internacional de comunicação, seria mais idônea para o Código, já que, hoje em dia, poucos indivíduos conhecem o latim, mesmo entre os especialistas, e o Código está destinado à integralidade do Povo de Deus (leigos e clérigos), sendo um instrumento jurídico de implementação do Concílio Vaticano II.
Diz-se que uma das principais características da lei em geral é ser compreendida por todos que têm de obedecê-la. Neste diapasão, a lei na Espanha está escrita em espanhol; a lei em Portugal e no Brasil está escrita em português; a lei na Alemanha está escrita em alemão, e assim por diante.
A principal lei da Igreja, o Código Canônico, entretanto, está escrita em latim. A língua de Cícero é tida como uma espécie de idioma oficial da Igreja Católica. De fato, há muitas vantagens em se expressar uma regra jurídica em latim, que é conciso e simples, extremamente objetivo e elegante. Sem embargo, o latim padece de um defeito sério: ele é compreendido por poucas pessoas ao redor do mundo, quase exclusivamente pelos canonistas. O leigo, ou católico corrente, geralmente não sabe nada de latim.
No Brasil, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) deixa claro que tão só o texto latino tem valor oficial: “Para a exata compreensão da edição brasileira, é necessário levar em conta os seguintes avisos: ‘1º Só o texto latino do Código tem valor oficial.’". Na apresentação da segunda edição do Código, a Conferência episcopal brasileira reforça a norma de que apenas o texto latino do Código goza de valor oficial: “É uma grande satisfação apresentar a segunda edição revisada do Código de Direito Canônico, a versão brasileira, com o texto oficial latino”. As traduções que existem por aí são meras referências. Elas não são a lei canônica. Aliás, os italianos possuem um adágio famoso acerca deste assunto: “traduttoretraditore”; em português: “todo tradutor é um traidor”.
Quão útil seria se o Código Canônico fosse vazado em inglês, o idioma mais falado do planeta, quase uma segunda língua no Brasil! Um católico do Japão, por exemplo, que está sob a jurisdição do rito latino, tanto quanto um fiel da arquidiocese de São Paulo, decerto terá maiores condições de compreender o inglês. O Código Canônico não será mais um mistério para esse irmão nipônico, mas um guia, com regras a serem postas em prática, a fim de se viver como um bom cristão. O mesmo sentimento de liberdade experimentaria, por exemplo, um pároco da Índia, ao compulsar o Código Canônico. Estabelecer-se-ia um contato estrito e vital, uma familiaridade genuína com a lei da Igreja de Cristo.
* Edson Luiz Sampel é doutor em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Lateranense, de Roma e membro da União dos Juristas Católicos de São Paulo (Ujucasp).