A modernidade e a evangelização

Joaquim Gonçalves *

A modernidade está marcada profundamente pelos avanços da ciência com consequências em todas as dimensões da vida humana e da criação. Elas podem ser elencadas da seguinte maneira: a tecnologia aplicada à produção, o consumismo desenfreado e corruptor do equilíbrio, o crescimento da média de idade, o conhecimento do espaço global, a exploração, transformação e manipulação de recursos naturais e humanos, o controle e cura de doenças milenares, a autoestima, a ética individualista, a globalização da informação, as novas formas de imperialismo, a escolha de religião preferida ou viver sem nenhuma.

Enfim, a cultura, aos poucos endeusou a ciência como nunca, pelo que conhecemos da história da humanidade. O "eu" e o "nós grupal", sobretudo os donos do capital e de algumas áreas científicas, aprenderam, a partir da ciência, a se endeusar e assim dispensarem qualquer religião que possa ajudar o ser humano a alcançar a sua felicidade. Mas a ciência, apesar de todos os seus recursos e nem mesmo com os que vierem pela frente, conseguirá responder a duas perguntas: "de onde vens e para onde vais". É destas duas perguntas brota uma terceira quase tão importante como as primeiras: "vives para quê"? São estas as perguntas que foram colocadas no início da encíclica Fides et Ratio do Santo João Paulo II.

Relacionado com isto trago para a reflexão um hábito cada vez mais comum: grande parte dos funerais se realizam com cremações, sobretudo nas grandes cidades. A cremação também faz parte desse endeusamento como se eu pudesse decidir para onde vou depois de morrer. Para superar o pensamento negativo de que vai apodrecer e desaparecer, prefere ser colocado, sob a forma de pó, num vaso, se possível for, que possa continuar a ser beijado para sempre. Seriam beijos sem retorno, secos, mortos, vazios.

Só quem nos criou sabe porque nos criou e, se não o consultarmos, nunca vamos saber porque existimos. A revelação de Deus, através da Bíblia, tem uma razão muito profunda de existir, a de não poder ser silenciada totalmente nunca. Exatamente porque a maioria enveredou pelo caminho do endeusamento, depois de milênios, Deus impulsionou escritores para lembrar ao ser humano que não foi simplesmente "constituído por pó e ao pó voltará" (Gn1), mas também que , apesar disso, foi moldado à imagem e semelhança de Deus. "O homem não era capaz de discernir e decidir, por si só, aquilo que era bem e o que era mal, mas devia ser capaz de apelar a um princípio superior. A cegueira do orgulho iludiu os nossos primeiros pais de que eram soberanos e autônomos, podendo prescindir do conhecimento vindo de Deus" (Fides et Ratio 22). É exatamente nesta segunda dimensão que o ser humano deve aprender a se espelhar. A ciência nunca vai poder colocar Deus criador como objeto de suas análises por mais sofisticadas que sejam. Se Deus se deixasse reduzir a um tema de ciência, seria mais um elemento para que a ciência se tornasse a deusa indestronável.

Há um provérbio muito antigo que diz: do nada não se tira nada. Aqui está bem expressa uma carga de sabedoria que deveria questionar a ciência para que ela, na modernidade, deixe de ser instrumento para fonte de lucro e se coloque sem distinção de raça nem de cor, a serviço de todos.

A ciência marginalizou a dimensão religiosa e as expressões de fé para se sentir autônoma e fonte de lucro para os mais espertos. Exatamente por causa da expansão da cultura endeusada, cresceu nos países mais católicos o indiferentismo religioso que estende essa indiferença para outras áreas da vida. O "eu" se torna cada vez mais sagrado, e o "tu" só tem interesse quando serve de instrumento para tirar vantagem. O racionalismo moderno dispensa a religião e desemboca no niilismo puro. "Só eu e mais nada", "como se a verdade pudesse reduzir-se às deduções puramente racionais. Na interpretação niilista, a existência é somente uma oportunidade para sensações e experiências onde o efêmero detém o primado. O niilismo está na origem duma mentalidade difusa, segundo a qual não se deve assumir qualquer compromisso definitivo, porque tudo é fugaz e provisório" (46). Daqui nascem conclusões disseminadoras do individualismo ético: se a minha consciência não me acusa de nada, não tenho nenhuma culpa.

A Nova Evangelização tão apregoada como necessária e urgente tem que adotar novas metodologias. O princípio básico de partida está no fato de que todos os cristãos têm que compreender que todos são discípulos. Receber simplesmente sacramentos para nada fazer que interfira na cultura disseminada e na organização social não dá continuidade ao plano salvador de Deus. Pelo contrário, distribuir sacramentos para simplesmente alimentar o individualismo enfraquece os que os administram e os que os recebem. A Nova Evangelização não pode começar a partir de quem já abandonou a fé, mas com aqueles e naqueles que ainda vivem um estilo de vida cristã que esvazia o conteúdo evangelizador e missionário da fé. A igreja é "o sacramento" que administra sacramentos, mas sem jogar o que é sagrado em qualquer lugar, porque se toda semente cair no caminho, a passarada come-a. (cfr Mc 4,4). Unamuno escreveu este pensamento sábio: "se achas que tens a verdade, guarda-a para ti; se quiseres saber onde está, vamos juntos". Por isso Jesus enviou os discípulos dois a dois.

* Joaquim Gonçalves, imc, é missionário em São Paulo, SP.

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