Por Marcela Belchior
"Você matou meu filho!" é o título fo relatório da organização de direitos humanos Anistia Internacional, que levanta e discute os casos de homicídios cometidos pela Política Militar contra jovens na cidade do Rio de Janeiro. Segundo a organização, há fortes indícios de execuções extrajudiciais e um padrão de uso desnecessário e desproporcional da força pelos policiais.
O relatório foi lançado nesta segunda-feira, 03 de agosto. A um ano da realização dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, o documento revela dados inéditos sobre homicídios decorrentes de intervenção policial na cidade, em particular, os ocorridos na favela de Acari, em 2014 e 2015, reunindo fortes evidências de execuções praticadas pela Polícia Militar do Rio de Janeiro (PM).
De acordo com a organização, as autoridades utilizam, com frequência, os termos "auto de resistência" ou "homicídio decorrente de intervenção policial" (usados nos registros de mortes provocadas por policiais em serviço e justificadas com base na legítima defesa) como uma "cortina de fumaça" para encobrir execuções extrajudiciais promovidas pelos policiais.
Com base em dados oficiais, a Área Integrada de Segurança Pública (AISP) 41, que inclui a favela de Acari, teve o maior número de registros de "homicídios decorrentes de intervenção policial", em 2014. Foram 68 casos registrados de um total de 244, na cidade do Rio de Janeiro. Dez deles ocorreram na favela de Acari. A organização reuniu evidências acerca de nove dos 10 casos de homicídios decorrentes de intervenção policial em Acari, e que continham fortes indícios de execuções extrajudiciais praticadas por policiais militares em serviço.
"Em quatro casos, as vítimas já estavam feridas ou rendidas quando policiais usaram armas de fogo, de forma intencional, para executá-las. Em outros quatro casos, as vítimas foram baleadas e assassinadas sem nenhum aviso. Em um deles, a vítima estava fugindo da Polícia quando foi baleada e morta", observa a Anistia Internacional.
Segundo o relatório, estereótipos negativos associados à juventude, notadamente aos jovens negros que vivem em favelas e outras áreas marginalizadas, contribuem para a banalização e a naturalização da violência. Em 2012, mais de 50% de todas as vítimas de homicídios tinham entre 15 e 29 anos de idade e, destes, 77% eram negras. Das 1.275 vítimas de homicídio decorrente de intervenção policial, entre 2010 e 2013, na cidade do Rio de Janeiro, 99,5% eram homens, 79% eram negros e 75% tinham entre 15 e 29 anos de idade.
De acordo com a organização, a "guerra às drogas", para combater o comércio de drogas ilícitas, especialmente nas favelas, e a ausência de regras claras para o uso de veículos blindados e de armas pesadas em áreas urbanas densamente povoadas elevam o risco de morte da população local. "A Polícia tem justificado, recorrentemente, o uso de força letal contra as pessoas, alegando suspeitas de envolvimento das vítimas com grupos criminosos. Essas operações militarizadas de larga escala têm resultado em um alto índice de mortes nas mãos da Polícia", aponta o relatório.
"Frequentemente, o discurso oficial culpa as vítimas, já estigmatizadas por uma cultura de racismo, discriminação e criminalização da pobreza. Parte significativa da sociedade brasileira legitima essas mortes. O sistema de Justiça Criminal perpetua essa situação, uma vez que, raramente, investiga abusos policiais", destaca o documento.
"O uso de força letal por agentes encarregados de fazer cumprir a lei gera graves preocupações sobre direitos humanos, principalmente em relação ao direito à vida. O Brasil tem a obrigação de prevenir e responsabilizar a violência criminal e, ao mesmo tempo, deve garantir pleno respeito ao direito à vida de todas as pessoas sob sua jurisdição, conforme estabelecido pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos", destaca a organização.
Recomendações da organização
A Anistia Internacional reivindica que o Governo do Rio de Janeiro adote medidas imediatas para cumprir com suas obrigações com relação ao cumprimento dos direitos humanos, garantindo investigações amplas, imparciais e independentes de todos os casos registrados como "homicídio decorrente de intervenção policial/auto de resistência". O objetivo é abrir processo criminal quando adequado. Além disso, requer que se determine que todos os casos registrados como "homicídio decorrente de intervenção policial" sejam investigados pela Divisão de Homicídios, através de investigações amplas, imparciais e independentes que possam subsidiar processos criminais.
A organização exige também que sejam disponibilizados os recursos humanos, financeiros e estruturais necessários à Divisão de Homicídios, para viabilizar a investigação de todos os casos de homicídios decorrentes de intervenção policial, de forma imparcial e independente; e condene violações de direitos humanos no contexto de operações policiais, assumindo a postura pública de que execuções extrajudiciais e o uso desnecessário e excessivo de força pela Polícia não serão tolerados.
Além disso, é uma reivindicação da Anistia Internacional que se estabeleça uma força-tarefa no Ministério Público com o objetivo de priorizar as investigações dos casos de homicídio decorrente de intervenção policial, para concluir, prontamente, as investigações que ainda se encontram em andamento e levar os casos à Justiça quando adequado.