Frei Betto: com Encíclica ecológica, Igreja Católica abraça teoria evolucionista

Marcela Belchior

Por meio da Encíclica Laudato si' [Louvado Seja], publicada pelo Papa Francisco, no último dia 18 de junho, e que aborda a integração regeneradora da humanidade ao restante do meio ambiente, a Igreja Católica abraça a teoria evolucionista e a visão holística do Universo. A assertiva é do teólogo Frei Betto. Em entrevista à Adital, o escritor e frei dominicano avalia tal postura como uma efetiva convergência do Santo Padre à produção da Teologia da Libertação na questão ambiental.

Betto destaca que a força do mais importante líder mundial da atual conjuntura fará com que nenhum debate sobre a questão ambiental ignore o documento. O teólogo também se mostra otimista quanto à propagação da visão holística contida na Laudato si', nas dioceses e paróquias, Comunidades Eclesiais de Base, associações, movimentos e outras representações católicas, com grande poder propositivo na atuação local da Igreja e no cotidiano dos fieis.

A Encíclica é considerada pelo Vaticano o documento pontifício mais importante dedicado à temática da ecologia até hoje. O título do texto foi inspirado na invocação de São Francisco "Louvado sejas, meu Senhor", que, no Cântico das Criaturas, recorda que a Terra "pode ser comparada ora a uma irmã, com quem partilhamos a existência, ora a uma mãe, que nos acolhe nos seus braços". O documento trata das mudanças climáticas, da água, da dívida ecológica, da responsabilidade humana pela crise ecológica e da mudança nos estilos de vida.

ADITAL - Como avaliar o conteúdo da Encíclica do Papa na relação com o contexto atual de exploração e degradação dos recursos de países economicamente menos desenvolvidos pelas grandes potências mundiais?

Frei Betto - A encíclica é muito contundente nas denúncias contra as grandes potências. O Papa Francisco condena a tendência de considerar a questão ambiental distinta da questão social e enfatiza que a degradação da Terra prejudica, em primeiro lugar, os mais pobres. Revela também sua decepção em relação a todas as reuniões de cúpula, da Rio 92 até hoje, cujos integrantes assinaram um documento com bons propósitos, mas sem nenhum efeito concreto na proteção do nosso planeta. E denuncia que a compra de cotas ambientais dos países pobres pelos mais ricos é um mero recurso para tentar tapar o sol com a peneira...

ADITAL - O documento pode atuar como uma força prática, propositiva, aos Estados e empresas que contribuem, diretamente, para o esgotamento dos recursos naturais?

FB - O documento tem a força de vir do mais importante líder mundial da atual conjuntura e cuja credibilidade cresce a cada dia. Nenhum debate sobre a questão ambiental, daqui pra frente, poderá ignorá-lo. Não é mera carta de bons propósitos, recheada de frases bem intencionadas. As conjunturas são citadas, a Amazônia e a bacia fluvial do Congo são valorizadas como pulmões do mundo, o desmatamento, o uso abusivo de agrotóxicos e os alimentos transgênicos são duramente criticados.

ADITAL - A Encíclica tem força propositiva suficiente para que a questão ambiental entre na agenda da Igreja em seu cotidiano nas dioceses e paróquias?

FB - É o mínimo que se espera da Igreja Católica: que o documento seja divulgado e propagado nas paróquias, nas Comunidades Eclesiais de Case, nas associações, movimentos e instituições católicas.

 

ADITAL - O documento reafirma a convergência do pensamento do Papa Francisco com a Teologia da Libertação?

FB - Sem dúvida. O Papa faz eco à produção da Teologia da Libertação sobre a questão ambiental, como os textos de Leonardo Boff, Marcelo Barros, Tamayo, Sobrino e tantos outros teólogos e teólogas.

ADITAL - Como compreender, teologicamente, a mensagem do Papa, que integra a humanidade aos outros elementos naturais da existência?

FB - Ao citar Teilhard de Chardin, censurado pela Igreja enquanto viveu, o Papa não apenas resgata sua obra, seu pensamento e seu testemunho, como também enfatiza que, em definitivo, a Igreja Católica abraça a teoria evolucionista e a visão holística do Universo, que exponho em meu livro "A obra do Artista - uma visão holística do Universo" (José Olympio).

Fonte: www.adital.com.br

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