Nei Alberto Pies *
"Como seres humanos a nossa grandeza reside não tanto em ser capazes de refazer o mundo... mas em sermos capazes de nos refazermos a nós mesmos". (Mahatma Gandhi)
O conceito de direitos humanos faz-se historicamente, assumindo diferentes abordagens e perspectivas, gerando diferentes posturas e compreensões. Nasce, contudo, a partir da consciência e necessidade de preservar a vida e tudo o que nela está imbricado. Ao longo dos tempos, o conceito foi sendo construído culturalmente como se os sujeitos destes direitos fossem os outros, aqueles que estão numa situação de extrema indignidade, e nunca a gente (eu, você e nós). Há, então, a necessidade de compreender melhor o conceito de direitos humanos para que dele nos sintamos parte.
Sob o ponto de vista da compreensão histórica, os direitos humanos constituem-se a partir do reconhecimento, muito antes de constituírem faculdade de um ou de outrem . A defesa da vida, que também defesa da dignidade humana, engloba o que a humanidade, através de muita luta e conquista, reconheceu como direitos humanos. O que vem a ser dignidade humana? É difícil definir, mas entendemos quando ela falta a alguém (como aquilo que define a própria noção de humanidade, enquanto condições mínimas, básicas e elementares para sermos gente). O nosso cotidiano está repleto de infinitas realidades de indignidade, basta ativar a nossa sensibilidade e o nosso olhar.
A mesma cultura que nos fez acreditar que direitos humanos não são os nossos direitos de ser gente (de ser humano) também alimentou a falsa ideia de que, ao afirmamos os direitos das pessoas, estaríamos abrindo mão de seus deveres. Sempre nos foi dito, mesmo que não explicitamente, que temos mais deveres a serem cumpridos do que direitos a serem gozados, usufruídos. Muitas vezes entenderam-se direitos como privilégios de uma classe social, povo ou nação, em detrimento dos demais. Ocorre que, a cada direito que conquistamos, naturalmente, sem dizê-lo, está imbricado um dever. Direitos e deveres chegam juntos, não existem separados como muitos supõem.
Mas como criar identidade com direitos humanos? É preciso considerar a si mesmo e aos outros sujeitos de direitos, de liberdade, de dignidade: ao mesmo tempo diferentes e iguais uns em relação aos outros. O que todos temos em comum é que somos humanos e comungarmos das mesmas necessidades. Todos como eu e você são seres humanos, portadores de algo sagrado e inegociável: a vida da gente.
Desconhecemos outra maneira de mudar culturalmente conceitos ou ideias senão pela educação. A educação em direitos humanos significa educar para a democracia, oportunizando que os cidadãos tenham noção de seus direitos e deveres e que lutem por eles. É papel da escola, e da educação, contribuir para a compreensão do mundo, para uma melhor inserção nele. A cultura de direitos humanos promove condições em que ocorram a tolerância, o diálogo, a cidadania, a diversidade. Deve também permitir a liberdade de organização e luta aos grupos organizados em torno de seus direitos. Deve exigir um Estado protetor e promotor de direitos humanos, e não violador da vivência da cidadania e das liberdades. A consciência, quando transformada em luta (diária, cotidiana, permanente), é quem garantirá a exigibilidade de nossos direitos.
Educação em direitos humanos não é somente um conteúdo a ser ensinado, mas pressupõe, antes de tudo, a vivência de valores e atitudes que cultivem a preservação da vida, das singularidades e das diferenças. Para mudarmos atitudes e conceitos precisamos ser motivados, sensibilizados e estimulados a compreender o ser humano em suas diferentes situações e realidades.
O reconhecimento de nossas diferenças e das múltiplas formas de ser, pensar e agir abrem horizontes para perceber e acolher a necessidade do outro. Eu, você e nós conquistaremos felicidade quando pudermos compartilhar vida plena, na humanidade que reside em cada um e cada uma de nós. Por isso mesmo, direitos humanos sempre tem a ver com a nossa vida.
*Nei Alberto Pies, professor, escritor e ativista de direitos humanos.