Alfredo J. Gonçalves *
Tomemos em mãos o Evangelho de Marcos: "Havia aí tanta gente que chegava e saía, a tal ponto que Jesus e os seus discípulos não tinham tempo nem para comer. Então Jesus disse para eles: ‘Vamos sozinhos para um lugar à parte, para que vocês descansem um puco'" (Mc 6, 31). Acrescentemos a observação do teólogo alemão Klaus Berger, no comentário a esse versículo: "A evangelização itinerante e o repouso conclusivo dos discípulos são assim incluidos teologicamente no quadro de uma tipologia de Israel" (BERGER, Klaus. Gesù, Ed. Queriniana, Brescia, 2007, pag. 184).
Itinerância e repouso no Antigo Testamento aparecem figuradamente como deserto e tenda. Pelas veredas do deserto, prossegue o êxodo, a travessia, o exílio, a busca incansável da Terra Prometida. Experimenta-se a sede e a fome, hostilidade e perseguição por parte dos inimigos, a fadiga e as adversidades. Sempre fiel à promessa, porém, o Senhor caminha na história ao lado do seu povo. Interrogações, dúvidas e até mesmo idolatria rondam a fé e a esperança do povo em marcha. Mas a presença invisível de Deus se faz visível através de seus mensageiros. Lento e laborioso, o processo de libertação retoma a confiança e o rumo da meta tão almejada.
A tenda é o símbolo não só da morada permanente da Arca, mas também de uma pausa para a parada, o descanso. Só dessa forma será possível nutrir-se com a presença do próprio Deus, renovar as energias esgotadas e, passo a passo, retomar a estrada. A tenda representa simultaneamente lugar de repouso e de encontro. Repouso em vista de recuperar as forças, encontro com Aquele que é a fonte de toda a luz e de toda a água viva. Trata-se, paradoxalmente, de um repouso ativo, como trampolim para um passo mais largo, mais ousado, mais corajoso. A tenda, como ambiente propício à troca de experiências, à oração e à meditação, fortalece o vigor do caminheiro cansado e abatido. Confere-lhe maior tenacidade na longa travessia que se descortina no horizonte.
No Novo Testamento, o binômio da itinerância e repouso representa simbolicamente o caminho e o poço. De fato, "Jesus percorria os povoados e aldeias (...); encontrava-se com as multidões cansadas e abatidas, como ovelhas sem pastor (...); e movia-se de compaixão" (Mt 9, 35-38). O profeta itinerante de Nazaré não se limita a esperar os fiéis na porta da sinanoga ou do templo. Desloca o centro de sua forma de evangelizar: vai ao encontro dos que estão à margem, dos que estão do lado de fora dos muros, dos que sentiam pesar-lhe sobre os ombros a tríplice discriminação da "pobreza, doença e pecado". Em lugar de sacerdote do templo, um profeta do caminho.
No meio do caminho, porém, provoca a abertura de poços, reserva momentos à solidão pessoal, detém-se nas casas e curte os momentos festivos do seu povo, encoraja encontros inusitados. Grande parte desses encontros, aliás, são proibidos pela religião formal, fossilizada, cristalizada pela rigidez de um legalismo estéril e excludente. Uma vez mais, encontros para o repouso ativo, onde água e sede se cruzam e recruzam, como no episódio com a Samnaritana, no capítulo quarto do Evangelho de João. Encontros em três dimensões: encontro solitário com o Pai, no silêncio da oração; encontro comunitário com os amigos íntimos, "num lugar à parte"; e encontros imprevistos com aqueles que o procuram, ansiosa e desesperadamente, em busca de um ponto de referência para a própria existência, como Nicodemos, Zaqueu, a mulher que sofria de fluxo de sangue, e tantos outros.
Nesse processo de intinerância e repouso, deserto e tenda, de um lado, caminho e poço, de outro, são indissociáveis. Ao mesmo tempo que a itinerância requer e necessita de uma pausa reparadora, o repouso refaz as energias para a retomada da marcha. Ambos se exigem, se interpelam e se complementam reciprocamente.
Roma, 23 de abrl de 2015
* Alfredo J. Gonçalves, CS, é Conselheiro Geral e Vigário dos Missionários de São Carlos.
Fonte: Revista Missões