Stephen Ngari *
Depois de ler um artigo opinativo do jornalista americano John Fisher Burns, "A miséria inerente das ideologias", publicado no The New York Times, sábado, 18 de abril de 2015, não poderia deixar de pensar no massacre realizado pelos terroristas de Alshabab na Universidade de Garissa, Quênia. As ideologias possuem um poder convincente que manipula até os intelectuais e espiritualmente iluminados. Segundo Burns, "não há limite à loucura, o mal e o sofrimento que podem infligir qualquer sociedade com uma ideologia dominante e nenhuma perfídia que possa ser justificada ao se manipular os preceitos de um Mao, ou de um Marx, de um profeta Maomé ou de um King II-Sung".
A primeira inquietação sobre matança em massa foi na faculdade de Teologia. No Antigo Testamento, na história da conquista do povo de Israel, Deus manda matar todas as pessoas das nações conquistadas. Uma manipulação ou leitura fora do contexto do texto pode levar a justificação teológica do assassinato em massa. Será que foi isso que a Igreja usou para justificar as cruzadas?
Nos dias atuais, assistimos guerras com mortes em massa. Durante a colonização da América Latina, os espanhóis e os portugueses exterminaram as nações indígenas em nome da civilização. Infelizmente, o mal parece continuar com os governos sucessivos depois da independência, às vezes abertamente às vezes discretamente. Os agressores fazem esses atos com a consciência tranquila.
Como se isso não bastasse, enquanto o extermínio dos indígenas continuava, começaram os horrores da escravidão. A captura, o transporte para as Américas e a escravização dos africanos foi um massacre que pintou a história da "civilização" de sangue. Nada foi considerado ilegal, imoral ou desumano. Aliás, pode-se citar até as Escrituras que nem Jesus nem os apóstolos condenaram explicitamente a escravidão. Uma leitura errônea e mal interpretada!
O massacre continua no século XIX depois da "abolição da escravidão". Para mim seria uma mudança de tática ou de metodologia escravizadora. A ocupação da África pelos europeus não passou longe de extermínio de povos que os resistiam. O sangue que banhou as águas do Atlântico das terras americanas agora banha a mãe África. A ideologia foi tão forte entre os europeus que resistiu até o século XX. O assassinato de crianças e população indefesas na África do Sul durante o apartheid continua fresco na mente e nas páginas da história humana. As ideologias são inventadas para promover vida social e o direito à vida, infelizmente acabam fazendo o contrário. O piloto da Enola Gay que jogou as bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki e o presidente americano Harry S. Truman não sentiram nenhum remorso com milhares de mortes de pessoas inocentes.
O episódio na Universidade de Garissa, que se insere dentro de uma série de atentados de grupos radicais, Estado Islâmico, Boko Haram, Al-Shabab e o antigo Al-Qaida ao redor do mundo, mostra como a insensatez ideológica continua a dominar a humanidade. O progresso humano e o desenvolvimento tecnológico avançam paralelamente com o radicalismo das ideologias. Diante dessa situação é ineficiente uma condenação por palavras, pois isso não importa para os grupos e seus atos. Será que um leopardo entenderá o repúdio do pastor depois de matar uma ovelha?
Uma condenação, um repúdio, uma reprovação soa como uma sinfonia nos ouvidos dos terroristas. Aliás, matam para incutir medo, chamar atenção, sim, aterrorizar a humanidade. Portanto, a sua guerra não tem moral, não tem ética. É onde dói mais que eles têm prazer de apertar. A nossa reação deve encontrar outros caminhos que erradicam o mal sem deixar nenhuma raiz ou semente que possa brotar.
O mundo e toda raça humana precisa pesquisar, estudar e analisar para saber como surgem as ideologias radicais. O ambiente facilitador de nascimento dessas ideologias precisa ser descoberto e transformado. Separar e cercar por muros e leis anti-imigratórias não ajudará por muito tempo. O antigo adágio, unityisstrength, tem muito a nos oferecer diante do desafio do terrorismo.
* Stephen Ngari, imc, é missionário queniano em São Paulo.
Fonte: Revista Missões