Ricardo Machado e Leslie Chaves
Aprovado na Câmara dos Deputados, o PL 4330 aguarda votação ou a inserção de emendas no Senado para ser finalizado e encaminhado à sanção ou veto presidencial. A principal transformação nas relações de trabalhistas diz respeito à terceirização, foco principal do projeto de lei em trâmite, que pode gerar reflexos importantes na organização social do país. "Para uma parcela significativa da população, o mundo do trabalho, no qual o mercado do trabalho se insere, tem um peso muito forte e é a única forma de obter meios para o seu sustento", ressalta o economista Moisés Waismann, em entrevista por e-mail à IHU On-Line.
Como coordenador do Observatório Unilasalle: Trabalho, Gestão e Políticas Públicas, Waismann analisa a realidade do trabalho na região metropolitana de Porto Alegre e do Vale do Sinos e traça um paralelo com o contexto do país, apontando que o processo de acumulação de lucros tem ditado as mudanças no mundo do trabalho. Ele ainda frisa que um dos problemas nas articulações das lutas contra a precarização do trabalho é o descolamento da ideia de que o trabalhador é quem produz as coisas, isto é, perde a noção de pertencimento e de seu papel na relação de trabalho. "Uma grande parcela de trabalhadores não se percebe mais como produtor e sim como consumidor", aponta, constatando que esse fenômeno acaba por tornar difusos os debates e dificultar a elaboração de um projeto mais consistente de reivindicações.
De acordo com Waismann, o que está em jogo é a hegemonia do trabalho assalariado formal em detrimento de um contexto mais informal do mundo do trabalho. "O desafio é conseguir disputar esta realidade no conjunto da sociedade. Ouço e converso com pessoas assalariadas que acreditam que nada vai acontecer com seu emprego", destaca. "De outra forma, é necessário organizar a produção de modo que a força de trabalho não perca o seu espaço, sua renda e sua perspectiva de vida, visto a quantidade de equipamentos, tecnologias e formas de produção sem a presença direta do trabalhador", complementa.
Moisés Waismann é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e realizou mestrado em Agronegócios pelo Programa de Pós-Graduação em Agronegócios pela mesma universidade. Doutorou-se em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos. Atualmente é professor pesquisador da linha de pesquisa em Memória e Gestão Cultural no Mestrado em Memória Social e Bens Culturais do Centro Universitário La Salle - Unilasalle e do grupo de pesquisa de Estratégias Regionais. Atua também como coordenador do Observatório Unilasalle: Trabalho, Gestão e Políticas Públicas.
O professor apresenta, nesta quinta-feira, 30-04-2015, às 17h30min, a palestra Impactos da conjuntura brasileira atual no mundo do Trabalho, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU. O evento, que integra a programação do IHU ideias, é gratuito e aberto ao público geral.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como se caracteriza o mundo do trabalho no âmbito nacional e particularmente na região metropolitana de Porto Alegre?
Moisés Waismann - O mundo do trabalho, na atualidade, passa por disputas que, na minha perspectiva, poderão alterar radicalmente o que hoje se conhece como mundo do trabalho. Para compreender o trabalho, é importante ter em mente tanto o processo de produção de bens e serviços como a forma que esta produção é distribuída entre os atores que fazem parte do processo. No processo de produção, são tecnicamente complementares, em proporções diversas, a capacidade instalada, ou seja, o capital/as ferramentas, e a força de trabalho que juntas produzem. Ocorre que a distribuição desta produção é realizada de forma política, isto é, ela é disputada entre os grupos que detêm o capital e o trabalho. Em uma rápida olhada pela história, percebe-se que este processo foi se alterando, passando de um momento onde todos produziam e repartiam a produção de modo a manter o grupo, para, no decorrer do processo, conhecermos o processo de escravidão, servidão, e o processo de assalariamento. Eles não se sucedem, vão aparecendo e convivendo; se assim não fosse já não teríamos casos de trabalho análogo à escravidão.
Outra questão que utilizo para refletir sobre este tema é perceber que o que muda, ou dita a mudança, não é a relação do capital com o trabalho, esta também é subordinada ao processo de acumulação de lucros. Claro que de formas diferentes e diversas. Como cada vez mais nós nos distanciamos da produção, pois passamos a perceber o mundo como apenas um espaço de consumo, mesmo aqueles que produzem não percebem esta questão. Assim como o capital passa da capacidade instalada para a sua versão líquida, a moeda altera o processo de acumulação de lucros, exigindo a mesma liquidez da força de trabalho, porém aqui temos um diferencial, visto que são os seres humanos os detentores da força produtiva.
Aqui na Região Metropolitana de Porto Alegre existe um mercado formal de trabalho bastante estruturado, visto que, na grande maioria dos municípios que a compõe, o emprego no setor industrial aparece com destaque, sendo este o setor que mais emprega em toda a região, seguido do setor do comércio, reparação de veículos automotores e motocicletas e da administração pública, defesa e seguridade social.
"O PL 4330/04, que trata das terceirizações, é uma afronta aos direitos adquiridos pelos trabalhadores brasileiros"
IHU On-Line - Como a conjuntura brasileira, no âmbito econômico e fiscal, impacta o mundo do trabalho?
Moisés Waismann - O mundo do trabalho é impactado por fatores que tentei explicar na questão anterior de forma estrutural e das questões articuladas da conjuntura nacional e internacional. Desta forma, se a Alemanha, a Argentina, os Estados Unidos da América do Norte, a Inglaterra, a França, a Rússia, o Uruguai, entre outros, e cada um de forma diferente, estão vivendo períodos de turbulência ou de estabilidade, isto afeta a economia brasileira, tanto na intensidade do mercado de compra e venda de bens e serviços como no mercado de fatores que impactam na produção, como, por exemplo, a quantidade e o preço do dinheiro para o crédito, o preço de insumos básicos como o petróleo, e a disponibilidade de fornecer tecnologia para a produção.
Mais especificamente, o nível de produção, que vai contratar mais ou menos força de trabalho, é afetado pelas políticas econômicas do governo (nas três esferas). Se o governo tem uma política fiscal mais restritiva, como é a que se desenha e se anuncia, significa dizer que os gastos do setor público irão diminuir e o governo irá contratar menos, ou não vai contratar. As organizações que prestam serviço irão descontratar e, em efeito cascata, chegarão a impactar o emprego da força de trabalho. Ocorre o mesmo com uma política monetária onde a ferramenta do aumento da taxa de juros é utilizada. Os empresários não investem, não contratam, ou mesmo descontratam. Tudo isso para dizer que o mercado de trabalho é muito sensível. É importante dizer que, para uma parcela significativa da população, o mundo do trabalho, no qual o mercado do trabalho se insere, tem um peso muito forte e é a única forma de obter meios para o seu sustento. Sendo assim, é muito importante para a organização social.
IHU On-Line - Considerando as particularidades da região em suas análises sobre o mundo do trabalho, como a aprovação do PL 4330 pode impactar na população economicamente ativa, sobretudo nos trabalhadores assalariados?
Moisés Waismann - O PL 4330, que trata das terceirizações, é uma afronta aos direitos adquiridos pelas trabalhadoras e trabalhadores brasileiros. O pessoal do Vale do Sinos que trabalha nas facções sabe bem do que se trata! A força de trabalho fica precarizada, agora formalmente precarizada, visto que se abre a possibilidade de contratar força de trabalho como empresa "parceira". Só que na hora de fazer o contrato lembrem que a relação entre o trabalhador (escravo, servo, assalariado e agora terceiro), dono da força de trabalho, e o patrão, o dono do capital, há uma relação de força política onde um pode mais que o outro, (como, por exemplo, ao contrário, os comerciários frente aos pequenos lojistas). O trabalhador não vai conseguir manter a sua renda real, pois 13º salário, FGTS, seguro saúde serão deixados de fora. Não é exatamente a grita do setor? Que se os custos da folha fossem menores, poderiam produzir mais, contratar mais... Esquecem que sem renda não se consome.
IHU On-Line - Como compreender as políticas públicas do trabalho desde uma característica marcante de nosso tempo onde nossas sociedades são mais fragmentadas, ainda que os desafios estejam no âmbito de imensas massas de trabalhadores?
Moisés Waismann - As políticas públicas do trabalho são disputadas no interior do aparelho do Estado pelos seus principais atores, distribuídos na sociedade, os trabalhadores, portadores da força de trabalho, e os donos do capital. Ambos com interesses claros, de disputar uma maior fatia dos resultados da produção de bens e serviços, e difusos, porque uma grande parcela de trabalhadores não se percebe mais como produtor e sim como consumidor. A meu ver, isso esfumaça o debate. Não deixa claros os papéis e as posições, e sem isso claro não se tem um projeto, uma visão clara de pertencimento e de mundo. Logo, fica difícil ou mesmo impossível disputar posições. Pois, afinal, somos todos parte do mesmo lado (?).
"A relação entre o trabalhador, dono da força de trabalho, e o patrão, o dono do capital, é uma relação de força política onde um pode mais que o outro"
IHU On-Line - Quais são os principais desafios ao mundo do trabalho na conjuntura nacional e, principalmente, na região metropolitana de Porto Alegre?
Moisés Waismann - No cenário nacional, está em disputa o trabalho assalariado formal! Convivemos tranquilamente e percebemos como normal o mercado informal de trabalho. Na sequência ocorrerá uma precarização geral do mercado de trabalho. O desafio é conseguir disputar esta realidade no conjunto da sociedade. Ouço e converso com pessoas assalariadas que acreditam que nada vai acontecer com seu emprego. De outra forma, é necessário organizar a produção de modo que a força de trabalho não perca o seu espaço, sua renda e sua perspectiva de vida, visto a quantidade de equipamentos, tecnologias e formas de produção sem a presença direta do trabalhador. E a Região ainda passa por uma reorganização com a perda relativa do setor calçadista; é importante pensar o trabalho neste espaço onde se concentra em torno da metade do mercado de trabalho do estado do Rio Grande do Sul.
IHU On-Line - Que alternativas seriam possíveis diante do cenário atual?
Moisés Waismann - A Região Metropolitana de Porto Alegre é um espaço que concentra pessoas, serviços, infraestrutura, organização estatal, instituições de ensino técnico e superior; penso que seja importante colocar todo este potencial em atividade. Ativar, para que o conjunto possa propor e seguir um caminho onde todos possam garantir a sua subsistência com dignidade.
Fonte: www.ihu.unisinos.br