Elaine Tavares *
Desde que as lideranças da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE) começaram suas críticas ao governo de Rafael Correa, ainda no primeiro mandato, muitos tem sido os conflitos envolvendo as forças oficiais e os indígenas. Até a metade do processo que definiu a nova Constituição os interesses pareciam semelhantes e o movimento indígena conseguiu aprovar muitas de suas demandas na nova carta. Entre muitas conquistas, ficou famoso o capítulo que reza sobre os direitos da natureza, uma reivindicação que nasceu das entranhas do mundo originário e que, de alguma forma, salvaguarda os recursos naturais.
Mas, quando se iniciou o trabalho de regulamentação da Constituição, os desencontros começaram. E o primeiro deles se deu por conta da nova lei que regulamentaria a mineração no país. O governo optava por fazer-se cego diante dos direitos da natureza definidos na Constituição e dava garantias a grandes empresas estrangeiras para a exploração de minério, inclusive em terras comunitárias e com técnicas há muito banidas, como o uso do mercúrio. Foi o que bastou para que o movimento indígena se alçasse em rebelião. Correa negava todo o trabalho realizado ao longo do processo constitucional e se rendia à lógica do desenvolvimentismo baseado na exploração mineral. E ainda jogava a população contra o movimento indígena acusando-os de estarem contra o progresso.
Outro fato que gerou conflitos foi a abertura de licitação para que empresas estrangeiras explorassem mais de 13 campos de petróleo na região amazônica. Com o mesmo discurso de que os índios atrapalhavam o desenvolvimento nacional, Correa vaticinava: "Basta do infantilismo de não ao petróleo e a mineração. Se não exploramos agora, o petróleo acaba em 10 anos". De novo, a chantagem diante da luta dos povos originários.
Desde aí, com a decisão irrevogável do governo em manter a proposta extrativista, a despeito das demandas indígenas, os protestos e marchas têm sido constantes. Os partidários de Correa seguem o bombardeio contra os indígenas, alegando, inclusive, que eles são manobrados pela direita. O que não é verdade. É fato que a direita tem se aproveitado dos conflitos, mas muito mais em função da truculência de Correa do que da luta dos povos indígenas.
No rastro dessa queda de braço entre governo e indígenas, Rafael Correa decidiu, em dezembro de 2013, fechar a Universidade Intercultural das Nacionalidades e Povos Indígenas Amawtay Wasi, alegando que ela não se enquadrava nos novos rumos da educação. O governo insistia que a universidade, toda ela organizada dentro da cosmovisão indígena, se transformasse numa escola igual a todas as outras, de corte europeu. Os professores e alunos travaram longas batalhas de informação, mostrando ao governo e à população que a universidade intercultural tinha o direito de atuar de maneira diferenciada, inclusive para honrar a própria Constituição que garante a proposta de autonomia das comunidades indígenas. Mas, a batalha de Correa era muito mais contra os indígenas "rebeldes" que lhe faziam a crítica do que pela educação homogeneizada. E a universidade foi fechada, apesar de todos os protestos nacionais e internacionais.
Agora, ao apagar das luzes de 2014, o governo desferiu mais um golpe nos movimentos indígenas organizados, exigindo a desocupação do prédio onde funciona a CONAIE, a Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador. O argumento é de que, como o prédio é do governo, cedido em comodato, ele tem todo o direito de requerê-lo de volta. Segundo as autoridades "surgiu uma necessidade imprevista e urgente". O uso do prédio pelos indígenas se dá nos anos 80 quando é o organizado o Conselho Nacional de Coordenação das Nacionalidades Indígenas, um processo de levante do povo originário que iria desembocar num grande movimento reivindicatório que tem seu ápice no ano de 1990, com a ocupação de diversas igrejas em Quito. E é justamente aí que a mobilização dá vida à CONAIE (Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador), então a signatária da carta de comodato. Esta entidade se configura no resultado efetivo deste movimento e se organiza hoje em comunidades, centros, federações e confederações de povos indígenas.
Desde o Congresso de 1986, os povos originários do Equador tem mantido sua resolução de consolidar suas comunidades como espaço de luta, defesa da terra e do território originário, educação própria e bilíngüe, recuperação e fortalecimento da identidade cultural dos povos indígenas, luta contra o colonialismo e a batalha sem quartel pela plurinacionalidade.
Atualmente a CONAIE, aglutina os seguintes povos e nacionalidades: Shuar, Achuar, Siona, Secoya, Cofàn, Waorani, Zapara, Shiwiar, Andoa e Kichuas na região amazônica. Os povos Tsachila, Epera, Chachi, Awa, Manta eWankavilka, na Costa e os de nacionalidade Kichua: Palta, Sarakuru, Kañari, Puruwà, Chibuleo, Tomabela, Salasaca, Kisapincha, Waranka, Kitukara, Kayampi, Otavalo, Karanki, Natabuela e Pastom na serra interandina. Todos estes povos se constituem de maneira autônoma.
Desde o anúncio do despejo, que o governo promete para o próximo dia seis de janeiro, movimentos populares e intelectuais de todo o mundo têm se manifestado junto ao presidente Rafael Correa para que não continue com essa ação de represália contra o movimento indígena, mas nada parece demover o mandatário equatoriano. O despejo está mantido.
Essa semana, o governo de Rafael Correa deu mais um passo no processo de tentativa de destruição da mobilização indígena chamando um encontro com outras organizações indígenas menores visando criar o que chama de Aliança Indígena pela Revolução Cidadã, obviamente submetida a uma razão de estado. E, na oportunidade anunciou, através do Ministério de Inclusão Social que utilizará a sede da CONAIE como um centro de recuperação de jovens drogados.
O próprio presidente já declarou que não vai mais permitir que a CONAIE faça "uso político" do prédio onde está fincada desde há décadas. O que ele não diz para a nação é que foi a partir daquele prédio que se planejaram estratégias para a sua própria eleição, quando o movimento indígena, acreditando nas suas propostas, o apoiou. Hoje, como os indígenas estão fazendo a crítica ao seu projeto de desenvolvimento, o "uso político" parece não ser mais necessário.
A próxima semana será de muita luta no Equador.
* Elaine Tavares é jornalista.
Fonte: Revista Missões