Nei Alberto Pies *
Fico estarrecido quando ouço relatos preconceituosos ou leio reportagens ou fatos de presos em fuga das nossas tão descuidadas casas prisionais. O preconceito e discriminação para com os presos que fogem é impressionante e descabido! Sempre pensei que a fuga, neste contexto, é o mínimo que podemos esperar quando tratamos de seres humanos, pessoas maltratadas e mal acomodadas, sem culpa por isso.
Fugir é o destino e meta mais comum dos seres humanos quando as condições de vida e dignidade atentam contra a própria existência. Aliás, o que mais temos é gente que foge da violência, da opressão, do descaso, do abandono, do desamor.
Fico imaginando se a fuga não é condição substantiva para preservarmos nossa condição de humanidade. As diferentes prisões não fazem bem a ninguém.
As casas prisionais deste país são um verdadeiro depósito de humanos e a sociedade brasileira parece não se importar com esta situação desumana. Os presos tem responsabilidade por seus crimes, mas não são responsáveis pelos crimes que o Estado e a sociedade cometem com eles.
Como sempre, preferimos não abordar as raízes dos problemas, preferindo soluções de "simplificação". É sempre mais fácil "culpabilizar as vítimas", ao invés de perguntar as razões pelo sofrimento em que os outros estão passando. Ao invés de cobrarmos que o Estado, o guardião dos presos, dê condições de vida, moradia e ressocialização aos presos, preferimos condenar aqueles que, através da fuga, ainda exercem seus direitos sobreviventes. Ao invés de cobrar medidas que dificultem as fugas e mantenham maior vigilância sobre as ações dos presos, preferimos elegê-los como nossos mais nobres algozes.
A pobreza de nossos pensamentos faz com que esqueçamos que eles (os presos),como nós, fazemos parte de uma sociedade violenta, autoritária, injusta, corrupta e perversa. Preferimos nos apartar, intitulando-nos "pessoas de bem", como se a maldade fosse uma propriedade dos maus, logo, dos presos e "marginais", como assim os chamamos. Esta ingênua ignorância nos leva, sem querer, à mesma condição de vítimas, vítimas de nossos próprios pensamentos e incompreensões. Vítimas do mundo e submundo do roubo, da ganância, do poder e do medo que permitimos que reinem em todas as nossas prisões. Vítimas dos presos que condenamos.
É preciso perguntar pelo ideal de ser humano, mundo e humanidade que defendemos. Pelas condições e investimentos que estamos disponíveis para oferecer a todos que, como nós, nascem, mas ainda não são e nem estão plenamente humanos. Todos precisam de oportunidades para se humanizar, porque o castigo sem sentido só alimenta a revolta e a própria desumanização.
O maior desafio e trabalho que podemos empenhar pelo mundo é a humanização, nossa e a de todos os outros. Faz parte desta humanização lutar por condições que não exijam, de ninguém, a fuga como a única possibilidade de não sucumbir à própria humanidade. A liberdade deve ser o nosso maior horizonte!
É um trabalho corajoso, necessário e permanente.
* Nei Alberto Pies é professor e escritor.
Fonte: Revista Missões