Pessimismo e ceticismo pós-eleições e as relações de Dilma e Pezão

Patricia Fachin

A reeleição da presidente Dilma e do governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, é vista como um "misto de pessimismo e ceticismo" por Marcos Pedlowski, geógrafo que acompanha o desenvolvimento do Complexo Logístico, Industrial do Superporto do Açu - CLIPA, no V Distrito de São João da Barra, no Rio de Janeiro, e as desapropriações de terra realizadas na região para garantir o empreendimento.

Segundo ele, o pessimismo é justificado porque "as práticas emanadas do governo federal sob a batuta de Dilma Rousseff têm facilitado um sério retrocesso não apenas no âmbito da regulamentação ambiental que rege a autorização de megaempreendimentos, mas também na questão da relativização dos direitos de comunidades que habitam tradicionalmente as áreas que são escolhidas para a instalação de estruturas voltadas para consolidar o chamado modelo neodesenvolvimentista".

Pezão foi reeleito com pouco mais de 10% dos votos em relação ao candidato da oposição, Marcelo Crivella, mas, segundo Pedlowski, "há que se observar um dado importante sobre a eleição para o governo do Rio de Janeiro, que foi o somatório da abstenção e dos votos brancos e nulos que chegou ao impressionante valor de 35,8% do eleitorado".

Este valor, pontua, "ficou acima do número de votos recebidos por Luiz Fernando Pezão. Esse dado, que está bem acima do comportamento nacional, representa uma rejeição objetiva das duas candidaturas que estavam postas, mas também uma rejeição dos dois mandatos liderados pela dupla formada por Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão". Ele informa ainda que "essas eleições se deram num contexto de aumento da violência na região metropolitana da cidade do Rio de Janeiro, com uma interferência direta da ação das milícias e do narcotráfico para atrapalhar a livre manifestação dos eleitores fluminenses".

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Pedlowski também comenta a "posição relativamente delicada" da relação entre Dilma e Pezão pós-eleições, a qual se deve ao "jogo duplo realizado pelo PMDB durante a campanha eleitoral". Sobre a continuidade do governo estadual, é categórico: "Se levarmos em consideração os antecedentes, o que eu posso antecipar é que o governo do Rio de Janeiro vai continuar realizando ações para viabilizar o Porto do Açu, mas sem se preocupar com a correção dos problemas já instalados e dos que ainda certamente virão".

Marcos Pedlowski é professor associado do Laboratório de Estudos do Espaço Antrópico, Centro de Ciências do Homem, da Universidade Estadual do Norte Fluminense - UENF. É graduado e mestre em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e doutor em Environmental Design and Planning pela Virginia Tech, nos Estados Unidos.
Foto: programafaixalivre.org.br

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como o senhor interpreta a reeleição de Dilma e de Pezão num contexto em que houve diversas desapropriações por conta de empreendimentos no país, especialmente no Rio de Janeiro?

Marcos A. Pedlowski - Eu vejo a reeleição de Dilma Rousseff e Luiz Fernando Pezão com um misto de pessimismo e ceticismo. Pessimismo porque as práticas emanadas do governo federal sob a batuta de Dilma Rousseff têm facilitado um sério retrocesso não apenas no âmbito da regulamentação ambiental que rege a autorização de megaempreendimentos, mas também na questão da relativização dos direitos de comunidades que habitam tradicionalmente as áreas que são escolhidas para a instalação de estruturas voltadas para consolidar o chamado modelo Neodesenvolvimentista. Aliás, é preciso que se diga que este modelo, na prática, restaura a primazia do extrativismo mineral e agrícola como elementos basilares do crescimento econômico.

Além disso, se olharmos para a situação estabelecida no Rio de Janeiro durante o governo comandado por Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão, o que temos tido é uma aplicação ainda mais contundente dos processos de desregulamentação ambiental e de expropriação de áreas a serem ocupadas por esses megaempreendimentos.

Neste caso, o Complexo Industrial-Portuário do Açu é apenas um dos vários casos em que o governo do Rio de Janeiro atuou de forma a relativizar a legislação ambiental e os direitos das comunidades atingidas. Dentre os casos mais gritantes, posso citar o do Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro (Comperj), onde os principais prejudicados foram os pescadores artesanais da Baía da Guanabara; e também o da Companhia Siderúrgica do Atlântico, que opera há quatro anos sem a licença definitiva e que vem poluindo boa parte da região no seu entorno e causando graves danos à saúde da população.

Em suma, a reeleição de Dilma Rousseff e Luiz Fernando Pezão pode representar um pouco mais do mesmo, caso não haja uma resposta organizada por parte da sociedade, especialmente daqueles segmentos e comunidades que estejam recebendo o principal ônus das políticas públicas associadas à implantação do Neodesenvolvimentismo.

"Luiz Fernando Pezão, apesar de reeleito, entrará no seu novo mandato com um forte desgaste político, pois nada indica que ele mudará substancialmente a orientação do seu governo"
IHU On-Line - Pezão foi reeleito com pouco mais de 10% de diferença do candidato Marcelo Crivella. Quais as razões da aceitação de seu mandato? Como o senhor interpreta os dados da eleição estadual?

Marcos A. Pedlowski - Primeiro há que se observar um dado importante sobre a eleição para o governo do Rio de Janeiro, que foi o somatório da abstenção e dos votos brancos e nulos que chegou ao impressionante valor de 35,8% do eleitorado. Este valor, é preciso que se frise, ficou acima do número de votos recebidos por Luiz Fernando Pezão.

Esse dado, que está bem acima do comportamento nacional, representa uma rejeição objetiva das duas candidaturas que estavam postas, mas também uma rejeição dos dois mandatos liderados pela dupla formada por Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão.

Além disso, o que foi pouco falado é que essas eleições se deram num contexto de aumento da violência na região metropolitana da cidade do Rio de Janeiro, com uma interferência direta da ação das milícias e do narcotráfico para atrapalhar a livre manifestação dos eleitores fluminenses. Num caso específico no município de Caxias, milhares de eleitores foram remanejados em cima da hora pelo Tribunal Regional Eleitoral por causa de supostas ameaças do narcotráfico, o que acabou interferindo, inclusive, no acesso dos eleitores aos novos locais onde a eleição foi realizada.

Além disso, o que temos é que a reeleição de Luiz Fernando Pezão precisa ser analisada não apenas por uma suposta aceitação das suas propostas, mas de como o eleitorado pode ter ou não acesso às informações cruciais sobre o que ocorreu durante o período em que Sérgio Cabral foi o governador. Tanto isto é verdade que a campanha de Pezão literalmente ocultou a figura de Cabral durante os dois turnos, tal o nível de rejeição que ele conseguiu construir em torno de sua pessoa, especialmente na primeira metade do segundo mandato, quando vários casos escabrosos de corrupção vieram à tona.

Desta forma, eu entendo que Luiz Fernando Pezão, apesar de reeleito, entrará no seu novo mandato com um forte desgaste político, pois nada indica que ele mudará substancialmente a orientação do seu governo. Aliás, o anúncio feito por Pezão logo após a sua vitória, de que irá contar muito com Sérgio Cabral nas suas ações de governo, já é um prenúncio de que ele está disposto a governar em meio ao desgaste. Até onde isso gerará mais conflitos ainda não dá para determinar. Mas já se pode antever que a lua de mel com a população simplesmente não existirá, e o novo governo de Pezão já começará bastante envelhecido e, consequentemente, debilitado politicamente.

IHU On-Line - Nesta semana a presidente Dilma se reúne com alguns dos apoiadores de sua campanha, entre eles, o governador do Rio, Pezão, e o prefeito Eduardo Paes. Que alianças vislumbra entre o governo federal e o governo do Rio de Janeiro? Quais as implicações dessa aproximação?

Marcos A. Pedlowski - Essa é uma questão de difícil resposta, pois até o seguidor mais ingênuo destas eleições sabe que o PMDB do Rio de Janeiro fez um jogo duplo, apoiando de forma explícita a candidatura de Aécio Neves, enquanto formalmente declarava apoio a Dilma Rousseff. Neste sentido, como não desprezo a capacidade da direção nacional do PT de avaliar o que foi feito no Rio de Janeiro pelo PMDB, é de se imaginar que essa relação dúbia durante a eleição terá consequências nos próximos quatro anos no tocante à relação com o governo de Luiz Fernando Pezão, principalmente no que tange ao envio de recursos federais para aplicação em projetos do governo estadual. Mas como o Rio de Janeiro ocupa um papel crucial na afirmação das políticas do neodesenvolvimentismo petista, é possível que a infidelidade eleitoral do PMDB no Rio de Janeiro seja digerida em nome de interesses estratégicos. Por causa dessa situação complexa, creio que vai ser preciso esperar para ver como se dará essa relação na prática. No entanto, todos esses encontros são essencialmente um jogo para distrair a plateia.

IHU On-Line - Como avalia a declaração de Pezão de que aceitará a transposição do Rio Paraíba do Sul para a Cantareira? Quais as razões de ele mudar de ideia após as eleições e quais as implicações da transposição?

Marcos A. Pedlowski - Essa mudança pode estar relacionada justamente à fragilidade política com que Luiz Fernando Pezão está se preparando para assumir o seu novo mandato. Além disso, creio que é preciso considerar a posição relativamente delicada que está neste momento a relação de Luiz Fernando Pezão com Dilma Rousseff, por causa do jogo duplo realizado pelo PMDB durante a campanha eleitoral. Há ainda que se lembrar da disputa em curso no tocante à distribuição dos royalties do petróleo, onde a posição do Rio de Janeiro já era frágil, e deverá piorar com a futura composição do Congresso Nacional.

Em suma, as razões para esta mudança em relação à transposição do Rio Paraíba do Sul podem ter pouco a ver com a versão propalada de Luiz Fernando Pezão de que é um político que procura trabalhar com base em acordos, mas mais com sua própria incapacidade de fazer frente às complexas negociações que estão em curso, seja na distribuição dos royalties do petróleo ou no compartilhamento de recursos hídricos estratégicos. De toda forma, esta mudança de posição é lamentável, pois todas as indicações técnicas apontam que a transposição do Paraíba do Sul para o sistema Cantareira não resolverá o problema dos paulistas e paulistanos, mas poderá causar graves danos às populações de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, que têm no Rio Paraíba do Sul a sua principal fonte de captação de água.

IHU On-Line - Qual é a atual situação das desapropriações de terras no V Distrito?

Marcos A. Pedlowski - A situação atual é a mesma desde que o processo foi iniciado no final de 2009. A maioria dos agricultores desapropriados ainda continua sem receber as compensações financeiras por terem perdido seus meios de produção, e o governo do Rio de Janeiro continua propalando justamente o contrário. Além disso, após um período relativamente inerte, a Companhia de Desenvolvimento Industrial do Rio de Janeiro - CODIN deu entrada recentemente em uma série de petições para consumir a expropriação de mais propriedades cujos processos estavam paralisados na justiça, provavelmente para não aumentar o desgaste de Luiz Fernando Pezão no Norte Fluminense. Agora, o pior é que essa retomada dos processos de expropriação vem sendo antecedida por uma série de pressões sobre os agricultores para que estes desistam de suas terras e saiam das propriedades sem que sejam dadas as devidas garantias sobre as compensações financeiras devidas. Eu já tive a oportunidade de visitar famílias que receberam visitas de técnicos da CODIN, que me disseram que se sentiram totalmente constrangidas e ameaçadas. Esse padrão de constrangimento não é novidade, mas é lamentável que até hoje essas práticas continuem ocorrendo, e de forma impune.

IHU On-Line - O senhor mencionou em artigo recente que a beneficiária direta da ação de desapropriações de terra da CODIN é a EIG Global Partners. Pode nos explicar qual é a função da EIG Global Partners nesse processo?

Marcos A. Pedlowski - A EIG Global Partners, que é um fundo de investimento global sediado na capital dos Estados Unidos da América, adquiriu a LLX Logística, que era a proprietária do Porto do Açu, e também a beneficiária direta do processo de desapropriação de terras promovido pelo governo do Rio de Janeiro para a instalação do Distrito Industrial de São João da Barra - DISJB. Assim, ao assumir o controle da LLX Logística e, consequentemente, do Porto do Açu, a EIG Global Partners também obteve o controle das terras desapropriadas. É bom que se diga que a EIG Global Partners assumiu o controle da Reserva Particular de Proteção Natural - RPPN da Fazenda Caruara, onde a LLX Logística supostamente desenvolvia um programa de recuperação das áreas de restinga existentes no entorno do Porto do Açu, e também da Vila da Terra, um condomínio rural para onde foi um pequeno número de moradores do V Distrito de São João da Barra a título de compensação pela desapropriação das terras. É interessante que em torno desses ativos a EIG Global Partners vem promovendo, através da sua empresa Prumo Logística, a sucessora da LLX no controle do Porto do Açu, uma campanha de publicidade bem focalizada para demonstrar sua responsabilidade socioambiental e de preocupação com a sociedade local. Entretanto, já no que se refere à busca de soluções para as consequências negativas do Porto do Açu que incluem as desapropriações, o processo de salinização das terras e o aumento da erosão costeira na faixa de influência direta do empreendimento, o silêncio da Prumo Logística é quase sepulcral.

Deste modo, considero que a EIG Global Partners e, por extensão, a Prumo Logística, apesar de toda a propaganda no sentido contrário, estão mantendo o mesmo padrão de comportamento que já havia sido demonstrado por Eike Batista e suas empresas "X". A diferença aqui é que a EIG é um fundo de investimento estrangeiro e muito mais difícil de ser responsabilizado por eventuais prejuízos ambientais e sociais que suas atividades possam causar. Nesse sentido, a situação atual consegue ser mais preocupante do que já era quando o Porto do Açu era controlado por Eike Batista.
"Minhas expectativas em relação ao governo do Rio de Janeiro são as piores possíveis, pois não vejo uma mudança de postura em termos de assumir responsabilidades"

IHU On-Line - Como o governo do estado do Rio de Janeiro tem se manifestado em relação às desapropriações no V Distrito?

Marcos A. Pedlowski - Ao longo de 2014 o governo do Rio de Janeiro manteve-se calado no tocante a tudo o que se refere ao Porto do Açu, incluindo as desapropriações e seus efeitos desastrosos para as famílias atingidas por este processo. Entretanto, no que efetivamente interessa, o governo do Rio de Janeiro tem mantido a posição não apenas de continuar com os processos de desapropriação, mas também de ratificar a postura de remover as famílias sem que as compensações financeiras sejam pagas previamente como, aliás, determina a Constituição Estadual. Além disso, a omissão em relação às consequências ambientais negativas tem sido outra marca registrada do governo estadual. E olha que as evidências no tocante à erosão costeira nas imediações do Porto do Açu ganharam repercussão na mídia nacional. Esse misto de ação autoritária e omissão ativa é a marca registrada do governo do Rio de Janeiro no caso do Porto do Açu.

IHU On-Line - Que ações vislumbra em relação ao V Distrito com a reeleição de Pezão?

Marcos A. Pedlowski - Se levarmos em consideração os antecedentes, o que eu posso antecipar é que o governo do Rio de Janeiro vai continuar realizando ações para viabilizar o Porto do Açu, mas sem se preocupar com a correção dos problemas já instalados e dos que ainda certamente virão. É que até hoje todas essas ações para viabilizar este megaempreendimento não foram acompanhadas de medidas que favorecessem a difusão dos ganhos que o mesmo possa alcançar.

Além disso, não houve a adoção de medidas para sequer minimizar os efeitos já previstos nos processos de licenciamento ambiental dos projetos que foram aprovados, como o porto e o estaleiro naval. Tampouco foram tomadas medidas para amortecer consequências sociais que invariavelmente acompanham a implantação destas estruturas, como é o caso da violência e dos excedentes populacionais. A coisa é tão preocupante que o município de São João da Barra continua desprovido de um hospital, o que acabou sobrecarregando a rede hospitalar pública em municípios vizinhos, especialmente em Campos dos Goytacazes.

Assim, as minhas expectativas em relação ao governo do Rio de Janeiro são as piores possíveis, pois não vejo uma mudança de postura em termos de assumir responsabilidades pelos problemas que já ocorreram, e muito menos ainda na adoção de um processo de planejamento que inclua a população na definição de diretrizes que pudessem garantir um mínimo de ganho social em nível local.

IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?

Marcos A. Pedlowski - Sim, gostaria. Primeiro, quero enfatizar a importância de que se continua dando cobertura aos problemas em curso no V Distrito de São João da Barra. É que o somatório dos problemas que já foram acumulados é grave o suficiente para que este caso não seja jogado para debaixo do tapete. As violações dos direitos de centenas de agricultores pobres e os graves problemas ambientais que foram causados pela implantação do Porto do Açu são para mim uma vitrine que revela a verdadeira natureza do modelo neoextrativista rotulado pelo PT de "neodesenvolvimentismo". Assim, até para que não caiamos em maniqueísmos que só servem para obscurecer a real situação das comunidades afetadas por megaempreendimentos desenvolvidos sob a égide do Neodesenvolvimentismo, é preciso que se continue a tratar deste e de tantos outros casos com a seriedade e o cuidado que os mesmos requerem.

E como as possíveis soluções não serão geradas por governos alinhados com a agenda Neodesenvolvimentista, creio que é preciso continuar dando algum tipo de espaço para que se saiba o que efetivamente está acontecendo nesses megaempreendimentos. Até porque se esses absurdos que eu narrei aqui estão acontecendo no Rio de Janeiro, não é difícil de imaginar o que pode estar acontecendo em Belo Monte, por exemplo.

Fonte: www.ihu.unisinos,br

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