Egon Heck *
Tento ser otimista. Mas a cada eleição que chega parece que a cena do fundo do poço se repete. Aí vem o prêmio consolação: pior não pode ficar. E entram de cabeça. Com consciência e secular paciência.
Candidatam-se. Esse ano são mais de 80 indígenas concorrendo a alguma vaga do poder legislativo estadual ou federal. Escolhem alguém que algum benefício, de alguma maneira possa lhes proporcionar. E não faltam os tapinhas nas costas, que logo mais adiante se transformam em punhaladas.
Tento puxar a conversa para o que de melhor minha memória conseguiu reter nessas últimas décadas. Subitamente me vem a imagem de Juruna, que apesar dos pesares conseguiu ser referência da luta indígena durante algum tempo. Criou até a Comissão do Índio na Câmara dos deputados. Teve a decência e a coragem de chamar o general presidente da República e seus ministros de ladrões. Tentaram caça-lo. Mas contra a realidade não há argumento que resista. Porém, depois de um ano e meio chegou o fatídico dia 30 de agosto de 1984. Juruna cai na cilada. Vai no jatinho de um fazendeiro invasor do território Pataxó Hã-Hã-hai para o encontro com os índios. Depois de uma discussão acirrada, vai à sede do sindicato Rural, antro dos invasores da terra indígena e diz que esses não são índios. São apenas aproveitadores. A partir desse momento Juruna desmoronou para os povos indígenas. Não resistiu às diabólicas tentações da vil moeda.
Em Roraima, o Conselho Indígena de Roraima - CIR travou uma ferrenha campanha contra o título de eleitor. O estrago a cada votação justificava a catilinária contra tão contraditório documento, sagrado para a assim dita democracia. Porém esse ano avançaram na perspectiva de lançar dois candidatos pelo movimento indígena. Assim tornaram-se reais as chances de eleição de um deputado.
O voto étnico assim como o partido indígena nunca passaram de mera ficção. O mesmo destino teve a proposta do Parlamento Indígena.
Mas houve resistências e lutas que infelizmente não se transformaram em conquistas. Por ocasião da Constituinte exclusiva, foi encaminhado ao Congresso a solicitação de 5 vagas para os povos indígenas. Mais uma vez o pleito indígena foi negado.
Os candidatos e a ignorância
Mais uma vez estamos diante de um quadro patético. Para os aspirantes ao Palácio do Planalto e as benesses do poder, o que interessa é chegar lá. Os povos indígenas não cabem nessa conta. Alguns talvez ainda estejam com a ideia do índio do primário, ou do índio de peninha, norte-americano. Aécio, mineiramente se esquiva do tema incômodo. Dilma já mostrou que não quer saber. Marina também está sob a pressão dos ruralistas. Porém, sua origem dos seringais do Acre, sua convivência e luta conjunta dos povos da floresta, lhe possibilitou um conhecimento e compromisso, sensibilidade e respeito, que na atual conjuntura torna difícil converter em garantia de direitos dos povos originários.
Seja por ignorância ou má fé, os direitos e a vida dos povos indígenas estão novamente no banco dos réus ou à disposição como moeda de troca. Sem ilusão terão pela frente as maquininhas da democracia. Resta-lhes mostrar que são cidadãos primeiros deste país, e não mais admitem omissão ou ignorância com relação às suas lutas e seus direitos.
Que bom seria
Se todos os candidatos
Se dessem conta, nesta eleição,
De que existe uma Constituição
A ser cumprida e uma dívida
Histórica para com
Os habitantes originários desse país,
A ser saldada com urgência
Eles clamam por justiça,
Por demarcação e respeito
A suas terras/territórios,
Punição aos assassinos seculares
E atuais de suas lideranças e povos.
E mais do que isso,
Que assumissem um compromisso concreto,
De viabilizar esse país plural,
Com respeito, dignidade e autonomia
para os povos indígenas
Brasilia, 3 de outubro de 2014.
* Egon Heck é do Secretariado do Cimi.
Fonte: Revista Missões