Jaime C. Patias
Discutir os projetos energéticos nas diversas bacias hidrográficas no Brasil e socializar formas de resistências das comunidades impactadas por esses empreendimentos foi um dos temas em debate, nesta sexta, dia 8, nas atividades do Fórum Social Temático (FST) Energia. O evento que acontece nas dependências da Universidade de Brasília (UnB) no Distrito Federal, reúne representantes de organismos da sociedade civil, movimentos e instituições que questionam o modelo energético baseado em hidrelétricas. Sobre as usinas nucleares a rejeição é ainda maior. Ao mesmo tempo em que buscam novas matrizes energéticas como a eólica e a solar, os movimentos discordam também da forma como esses projetos vem sendo implantados. No entender das comunidades, as bacias hidrográficas deveriam ser a base para a organização da vida, mas os grande projetos causam impactos negativos e trazem o caos.
Roberto Malvezzi (Gogó), membro da Comissão Pastoral da Terra (CPT), explica que as resistências começaram com as Hidrelétricas e agora são contra outra formas de produzir energia. Segundo ele, apesar de simpatizar com modelos energéticos, como o eólico e o solar, não pode concordar com a forma com estes projetos são implantados. "São um desastre sob o ponto de vista social e muitas vezes ambiental" avalia Gogó. Segundo ele, em âmbito nacional, não existe ainda uma articulação de resistência a todas essas novas formas de energia patrocinadas pelo governo. "Este Fórum Social Temático (FST) possibilita que esses vários enfrentamentos se encontram. A expectativa que temos é a de traças uma articulação maior de resistência e de propostas diferenciadas". Gogó destaca ainda que, "o Brasil não aguenta mais um modelo energético perverso baseado nas hidrelétricas e o governo está impondo outras matrizes energéticas e as nossas comunidades estão sendo as vítimas. O debate visa encontrar saídas para que o povo, ao invés de ser vítima, possa ser beneficiado".
Um dos coordenadores do debate, Rúben Siqueira, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) na Bahia, estabelece uma relação entre o modelo energético e a mineração. Ele explica que, a conjuntura mundial favorece países como o Brasil que ainda tem grandes reservas naturais. A situação fundiária de insegurança por sua vez, favorece a exploração desses recursos sem que as populações consigam se defender, uma vez que a maioria é posseiro. "As mineradoras que estão aumentando entram sem respeitar os direitos das comunidades. As empresas precisam muita energia para explorar e exportar através de minério-duto, ferrovias e hidrovias". O mais grave é que "o Estado e o judiciário não favorecem as populações. Resta apenas o Ministério Público que ainda dá apoio, mas a luta é desigual. Grandes Parques Eólicos com 800 a 900 torres desestabilizam as comunidades que estão na área a mais de 200 anos".
Em alguns casos, os próprios prefeitos fazem contratos com as empresas sem consultar a população. Em outros, as empresas se propõem comprar a terra ou então arrendar, mas pagam preços irrisórios. "As grandes companhias chegam com muita sedução e mentiras para enganar as populações que sofrem um processo de subtração de direitos. Quanto menos custar, melhor para as empresas, então com os impactos sociais e ambientais elas gastam o menos possível. A experiência mostra que, quanto menos resistentes forem as comunidades, elas são mais lesadas", denuncia Siqueira.
Para Maria do Livramento Reis, da Associação Comunitária de Moradores de Tatajuba no Ceará, "a energia eólica poderá ser limpa, pois é gerada pelo vento, mas da forma como é feito, não é limpa. Os parques para gerar essa energia causam impactos negativos na populações que perdem o direito sobre suas terras".
Representantes de comunidades se revezavam para expor como cada movimento está enfrentando os "inimigos". Os impactados pelos projetos buscam respostas às perguntas que inspiraram o tema do FST. Energia: para que? Para quem? Como? Não faltaram relatos sobre lideranças ameaçadas.
Vinda do Pernambuco, Maria José expôs a situação das comunidades que serão impactadas pela futura Usina Nuclear naquela região. "Não queremos energia nuclear em Pernambuco e no Nordeste do Brasil. Nosso Sertão não merece uma Usina Nuclear", afirma. Ela explicou que as informações sobre o tema são perversas e servem para manipular as populações.
Ao falar dos riscos gerados pelo uso do urânio, a professora da Universidade Federal do Ceará, Raquel Rigotto que atua na Rede Brasileira de Justiça Ambiental, lembrou que este é uma molécula instável e que muda e liberar energia por quatro bilhões de anos. A professora defende uma estreita relação entre trabalho, meio ambiente e saúde.
Padre Edilberto Sena, do Movimento Tapajós Vivo, veio de Santarém (PA). Ele diz que o governo brasileiro está decidido a destruir a Bacia do Rio Tapajós com a construção de 18 barragens nos rios Tapajós, no Pará e os rios Juruena e Teles Pires no Mato Grosso. "Vamos debater esse plano perverso do governo e falar sobre a nossa resistência junto com os indígenas munduruku e os povos ribeirinhos do alto, médio e baixo Tapajós. Queremos buscar apoio e alianças com outras organizações para resistir a esse plano".
Diante das derrotas nessa luta padre Edilberto afirma que o movimento sustenta a posição de sonhar o impossível. "Temos como inspiração Mahatma Gandhi na Índia, Nelson Mandela da África do Sul que, contra tudo e contra todos, persistiram na luta. Temos a esperança de que com o apoio de outras organizações no Brasil e no exterior, nós conseguiremos desmascarar esse plano que consideramos um crime de lesa Pátria contra o povo da Amazônia", sublinha.
Para José Procópio Lucena, da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA) o FST Energia serve para "promover a unidade na luta dos povos e comunidades atingidas pelos megaprojetos a serviço da mercado da energia e do grande capital internacional e nacional. O pior que é uma exploração com a conivência do Estado e da Justiça. Mas estamos na luta e vamos unir forças. Nós somos os carrascos do sistema", reforça.
Povos indígenas os mais afetados
Nessa conjuntura, os pescadores, ribeirinhos, quilombolas e os povos indígenas são os mais afetados. Sônia Guajajara da Articulação do Povos Indígenas do Brasil (APIB) lançou um alerta sobre os impactos dos empreendimentos energéticos para os territórios e povos indígenas. "Os empreendimentos nucleares alteram completamente o modo de vida dos povos indígenas. Isso altera a cultura e a continuidade dessa diversidade que existe no país. Não há como a gente continuar mantendo o modo de vida próprio. Por isso que temos esse posicionamento contrário".
Sobre a luta dos povos contra as hidrelétricas, Sônia avalia que a derrota no embate contra a usina de Belo Monte reforçou a luta em outros lugares. "Isso porque hoje já se tem exemplos concretos dos impactos negativos do Xingu e não queremos passar pelo mesmo processo", complementa a liderança.
As atividades do Fórum iniciaram nesta quinta, dia 7, com um encontro entre os participantes no Gramado do Congresso Nacional. A programação segue neste sábado, dia 9, na Ala Sul da Universidade de Brasília (UnB). As últimas atividades e o encerramento, no dia 10, acontecem no Parque da Cidade Sarah Kubitscheck.
Fonte: www.pom.org.br