Só polícia não resolverá os problemas de segurança pública. Entrevista Renato Sérgio de Lima

IHU On-Line

"A PEC 51 tem o mérito de retomar o debate sobre modernização da segurança pública e reforma das polícias no Brasil", avalia o membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

A PEC 51, conhecida por sua proposta de desmilitarizar as polícias brasileiras, apesar de ser polêmica e não alcançar o consenso entre os especialistas em segurança pública, "busca romper com as ineficiências atuais e busca uma polícia de caráter civil, de ciclo completo, ou seja, que começa e termina uma investigação (entendida como todas as ações para um crime ser esclarecido e encaminhado para a Justiça punir seus autores). A desmilitarização é só um dos ajustes, e não é o cerne da PEC 51", pontua Renato Sérgio de Lima na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail. Para ele, a reengenharia das polícias possibilitará que elas atuem de forma mais ágil, moderna e "voltadas à prestação de serviços para a população e não dedicadas à defesa dos interesses do Estado".

Lima enfatiza que a discussão acerca da desmilitarização deve ser discutida no sentido de pactuar o que se entende pelo termo e sua implicação na atuação da polícia. "Se compreendermos um processo de desvinculação com as forças armadas e de mudança no padrão de atuação, isso significará um enorme avanço. Agora, se retirarmos princípios de hierarquia e organização, corremos risco do caos", assinala. Segundo ele, a subordinação da polícia à legislação militar causa um problema no sentido de que "as polícias se veem e são vistas como organizações a serviço do Estado, e não da sociedade". E acrescenta: "as polícias precisam incorporar os preceitos do artigo 5º da Constituição de 1988 e avançar no desenho de estratégias de aproximação com a comunidade para serem mais eficientes na prevenção da violência e no enfrentamento do crime".

Renato Sérgio de Lima é graduado em Ciências Sociais, mestre e doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo - USP. Também possui pós-doutorado pelo Instituto de Economia da UNICAMP (2010). Atualmente é Assessor Técnico da Fundação Seade e Pesquisador do Centro de Pesquisas Jurídicas Aplicadas da Escola de Direito da FGV, em São Paulo - CPJA | Direito GV e do Núcleo de Estudos da Violência da USP.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como o senhor avalia a proposta da PEC 51? Esse é o melhor projeto de lei para a desmilitarização da polícia? Quais são os pontos fortes da PEC?

Renato Sérgio de Lima - A PEC 51 tem o mérito de retomar o debate sobre modernização da segurança pública e reforma das polícias no Brasil. Ela é polêmica e, creio, não conseguirá consenso para ser aprovada do jeito como foi idealizada, mas com certeza está mobilizando várias categorias em torno da questão.

IHU On-Line - Quais são as propostas da PEC 51 em relação ao modelo policial?

Renato Sérgio de Lima - Basicamente, ela busca romper com as ineficiências atuais e busca uma polícia de caráter civil, de ciclo completo, ou seja, que começa e termina uma investigação (entendida como todas as ações para um crime ser esclarecido e encaminhado para a Justiça punir seus autores). A desmilitarização é só um dos ajustes e não é o cerne da PEC 51. Há, também, a ideia de tirar a segurança da Constituição e deixar o tema para ser regulado pelos estados, que teriam autonomia para decidir seus modelos de polícia.

IHU On-Line - O que mudaria na organização e atuação da polícia com a desmilitarização?

Renato Sérgio de Lima - Pela proposta da PEC, tudo. Trata-se de uma "reengenharia" das polícias, tornando-as mais ágeis, modernas e voltadas à prestação de serviços para a população, e não dedicadas à defesa dos interesses do Estado. O foco da proposta é mudar os padrões de atuação das polícias, que hoje não dão conta de conter a violência e o crime e, muitas vezes, comportam altos níveis de letalidade policial e de altas taxas de vitimização dos próprios policiais.

"O foco da proposta é mudar os padrões de atuação das polícias, que hoje não dão conta de conter a violência e o crime"
IHU On-Line - Quais as implicações da desmilitarização para a segurança pública? A desmilitarização garantirá segurança?

Renato Sérgio de Lima - Não necessariamente. Antes de tudo, precisamos pactuar o que entendemos por desmilitarizar as polícias. Se compreendermos um processo de desvinculação com as forças armadas e de mudança no padrão de atuação, isso significará um enorme avanço. Agora, se retirarmos princípios de hierarquia e organização, corremos risco do caos.

IHU On-Line - Quais os problemas gerados por conta da subordinação da PM à legislação militar?

Renato Sérgio de Lima - O principal problema é que, com essa subordinação, as polícias se veem e são vistas como organizações a serviço do Estado, e não da sociedade. Dito de outra forma, as polícias precisam incorporar os preceitos do artigo 5º da Constituição de 1988 e avançar no desenho de estratégias de aproximação com a comunidade para serem mais eficientes na prevenção da violência e no enfrentamento do crime.

IHU On-Line - As UPPs receberam muitas críticas depois de cinco anos de atuação, especialmente por conta da ação dos traficantes e da entrada do exército nas favelas. Como o senhor avalia a atuação delas? Algo deu errado? Corre-se o risco de acontecer algo parecido com as polícias desmilitarizadas?

Renato Sérgio de Lima - As UPPs pagam o preço do seu mérito, pois nelas foram depositadas esperanças de modernização da segurança pública, uma vez que, segundo vários estudos, elas funcionam. Seus problemas não são específicos a ela, mas do modelo de organização policial e do desenho de políticas de segurança pública. UPP é só uma forma de policiar e não podemos tomá-la como panaceia. Ela serve para retomar áreas conflagradas e para isso ela funciona bem. Infelizmente, na sequência da implantação das UPPs, o Rio não viu mudanças nas estruturas das polícias, nem os investimentos sociais e urbanos que podiam fazer a diferenças nas favelas. Só polícia não resolverá os problemas brasileiros.

Fonte: www.ihu.unisinos.br

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