Stephen Gichohi Ngari
As vozes do tráfico humano ressoaram forte no dia 20 de maio, das 8h às 12h, no Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - Tuca, que fica na Rua Monte Alegre, em Perdizes, SP. O evento, promovido pela Arquidiocese de São Paulo, Pastoral Universitária da PUC-SP, Coordenação Pastoral do Serviço da Caridade, Justiça e Paz, deu continuidade à reflexão sobre a Campanha da Fraternidade deste ano e tratou o tema: As Vozes do Tráfico Humano: Realidades e Desafios.
Para debater o assunto, a coordenação do evento convidou representantes da sociedade civil e do Estado de órgãos diferentes, como agentes das pastorais sociais da Igreja, pesquisadores na área social da PUC-SP, Ministério Público do Estado de São Paulo, advogados, servidores municipais do Serviço de Verificação de Óbitos e do Serviço Funerário.
No saguão, que dá acesso ao Tuca encontravam-se exposições fotográficas de crianças e adolescentes desaparecidos. O grande número de fotografias, que representa uma pequena parcela de todos os desaparecidos, confirma a situação gritante do tráfico humano.
O grão-chanceler, cardeal dom Odilo Pedro Scherer, arcebispo metropolitano de São Paulo, o prof. dr. Jarbas Vargas Nascimento, pró-reitor de Cultura e Relações Comunitárias e o padre Vando Valentini, coordenador da Pastoral Universitária da PUC-SP compuseram a mesa da acolhida e inauguração do evento.
Dom Odilo apresentou uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, confirmando o tráfico humano como o segundo negócio mais lucrativo no mundo depois do tráfico de armas, superando o de drogas. Manifestou a sua indignação com a impunidade dos envolvidos na rede deste negócio sujo e ilegal.
A sociedade fala da pobreza das vítimas como um terreno fértil para o tráfico humano, mais que o lucro ilegal gerado e a impunidade dos promotores e beneficiadores do tráfico. As políticas econômicas do Estado devem agir com rapidez para promover as camadas fragilizadas da sociedade. Quando uma rede é desarticulada, todos os envolvidos sejam punidos com rigor.
O prelado impressionou-se como a sociedade desliza, silenciosamente, às práticas do passado. É viver tempos novos com práticas primitivas. Outro dado que chama a atenção, segundo o arcebispo, é o aumento de pessoas procurando asilo no Brasil. A Cáritas, por exemplo, atende mais ou menos 200 pessoas por dia, que chega à sua sede pedindo asilo político.
Pe. Júlio Renato Lancellotti, coordenador da Pastoral do povo da rua, na sua contribuição, lembrou as palavras do papa Francisco, pedindo ao povo de Deus para não entrar na cultura do descartável. Hoje em dia os moradores de rua são tratados como descartáveis. Esquece-se a verdadeira riqueza, adquirida na partilha.
Maria Lucia Martinelli, professora assistente e doutora do programa de pós-graduação em Serviço Social da PUC-SP, chamou a atenção aos impactos desastrosos do tráfico causados às vítimas. O mal mostra uma sociedade que já perdeu os padrões civilizatórios. É necessário muito diálogo e coragem para enfrentar a rede do tráfico humano.
Cláudia Regina Gomes, do Ministério Público, trouxe ao evento a voz institucional contra o tráfico e a escravidão. Para ela há poucas vozes num país cheio de escravidão. Embora o Ministério resgate pessoas escravizadas nas fazendas e nas empresas, não tem como cuidar delas depois. Os que não regressam ao seu lugar de origem, acabam recaindo no trabalho escravo.
Para vencer este problema, são necessárias políticas públicas, divulgar informação e direitos dos trabalhadores, principalmente, aos analfabetos e migrantes. É um trabalho inócuo quando um órgão trabalha isolado. Precisa um trabalho em rede com outros órgãos do governo, civis e religiosos.
Outra voz levantada neste cenário é o número de pessoas enterradas pela prefeitura como indigentes. Num depoimento, uma testemunha contou o desaparecimento do pai dela com todos os documentos no bolso inclusive números de telefone. Quinze dias depois descobriu que o pai foi internado por nove dias na UTI no Hospital Paraíso, onde veio a falecer e foi enterrado como indigente. O pior, os órgãos foram retirados e doados à faculdade de medicina da USP.
Oficialmente, como contou o diretor do Serviço de Verificação de óbitos, prof. Dr Luiz Fernando Ferraz da Silva, não se realiza nenhum trabalho de verificação sem um atestado de óbito do hospital e depois aguarda 12 dias antes autorizar o enterro. Infelizmente, as experiências da população mostram descaso total com os corpos de pessoas não reclamados.
No final do debate, pe. Julio Lancelotti fez suas considerações sobre o povo de rua, que será o primeiro a ser eliminado no evento da Copa. Perante o Estado, eles são indigentes. Quando eles morrem, aproveita e tira seus órgãos. A pergunta é para quem são doados? Será que não acabam na mesma rede do tráfico? Ficou o questionamento.
Pe. Vando resumiu o dia como uma ação de ética e indignação. Convidou toda sociedade a uma caminhada de conversão e luta contínua. Muito já foi conquistado, mas ainda falta bastante.
Fonte: Revista Missões