Nei Alberto Pies *
Os professores e professoras do ensino básico de nossa cidade, estado e país passam diariamente por muitas dificuldades para cumprir com sua função de educar, em tempos ligeiros, complexos e cheios de incertezas. Como educador, percebi que não fazia sentido continuar "reclamando" dos educandos e educandas com os quais trabalho diariamente. Reclamo, com muita razão, da falta de estrutura e apoio que as redes de ensino não oferecem em nossas escolas. Da falta do reconhecimento do meu trabalho e pela autonomia dos professores em suas salas de aula.
Moro num país que ainda não reconheceu a educação como um valor, mas que ainda considera a mesma um gasto e, na melhor hipótese, um investimento. Sonho e luto muito para que a educação seja prioridade, que as escolas sejam de qualidade e que o trabalho dos educadores seja reconhecido por toda sociedade. Mas, cotidianamente, tenho que arregaçar as mangas, os meus pensamentos e as minhas forças criativas para realizar o melhor trabalho como professor, sem descuidar da minha responsabilidade de lutar por melhores condições de trabalho do professor e da aprendizagem dos educandos e educandas. E de me somar com as forças de toda comunidade escolar, sobretudo dos pais dos estudantes e das organizações vivas do entorno de nossas escolas.
A postura "vitimizante" do professor, adotada por muitos colegas, cega-os para reconhecer um universo de possibilidades e intervenções cotidianas que os mesmos realizam e que fazem uma grande diferença na vida de muitos estudantes e na vida das comunidades. Nós, professores e professoras, fazemos a diferença na educação brasileira. Por isso mesmo, temos que considerar também a nossa condição humana de "seres aprendentes". Como aprendentes, temos que nos dispor a compreender novos contextos e novas realidades que estão em processo de mudança na nossa sociedade, principalmente na vida de nossos adolescentes e jovens.
O direito de aprender de nossos educandos e educandas precisa ser exercido com muita responsabilidade em nossas escolas, propiciando aos mesmos os conteúdos, habilidades e atitudes historicamente construídas e acumuladas. O direito à participação, através da opinião, de consultas e de tomada de decisões deveria ser exercido permanentemente com eles. O direito à convivência saudável, organizada coletivamente no ambiente escolar, propiciaria aos adolescentes e jovens oportunidades únicas para o exercício de sujeitos sociais e interdependentes. Nossas escolas deveriam ser lugares de "vivência de direitos" e de cidadania, onde pudessem ser praticados valores como a solidariedade, os direitos humanos, o respeito às diversidades culturais, religiosas e étnicas, a camaradagem, a promoção da dignidade humana.
Não podemos esquecer que a escola é para muitos jovens o único lugar de reconhecimento social e representa, para a maioria deles, a grande oportunidade de humanização. Mas se os jovens tem o direito de aprender, os professores tem para com eles o dever de se importar. A comunidade escolar tem o dever de acompanhar e subsidiar a compreensão das distintas realidades. Os governos tem o dever de respeitar a autonomia de cada escola e de prover as melhores condições para que a mesma possa se organizar conforme a necessidade e a vontade de quem a faz. Os estudantes tem o dever de aproveitar o que as escolhas lhes oferecem.
Nós já fazemos uma escola assim, mas acreditamos pouco nos seus potenciais de humanização, inclusão, valorização e promoção de cada pessoa e de todas as pessoas que dela fazem parte. Certo é de que ninguém fará esta escola pela gente, senão a gente mesmo.
* Nei Alberto Pies é professor e ativista de direitos humanos.
Fonte: Revista Missões