Paulo Soares *
"Morro várias vezes, só para experimentar a ressurreição." (Clarice Lispector)
A sexta-feira da paixão ainda não chegou, também não celebramos a vigília pascal, mas já se vê sinais de alegria na sociedade. É a ressurreição que não se limita ao domingo de Páscoa, mas que se inicia à véspera do feriado. É como se os dias de descanso se convertessem em um prolongado domingo de Páscoa. Esse é um tempo de revitalizar as energias, de encontrar pessoas queridas, de passar da condição do cansaço para o descanso, da tensão para a leveza, da conversa de corredor para um tempo precioso na sala de estar, dias privilegiados para saborear as coisas, para comer e beber com prazer.
Mas qual o sentido de pararmos por todos esses dias que denominamos de santos? Para alguns será mais um feriado dentre tantos outros, não os interessando o sentido do que será vivido ou celebrado. Outros acorrerão a diferentes comunidades cristãs para celebrar o Mistério da Morte e Ressurreição de Jesus. Cabe-nos perguntar: o que esse evento da fé cristã, celebrado há dois milênios, tem a dizer ao homem e à mulher contemporâneos? Interessa-nos a vida de um Galileu morto como marginal? A imagem de Jesus crucificado não nos dá ideia de que Deus fracassou? Na Páscoa de Jesus, podemos nos enxergar?
A Páscoa de Jesus, sem sombra de dúvidas, nos ajuda a entender a nossa própria vida. Numa perspectiva cristã, o mistério do homem só se esclarece verdadeiramente no mistério de Cristo. Para a antropologia teológica cristã, o homem não pode ser entendido fora de Cristo, é este quem nos diz o que é ser humano. Na vida de Jesus; aprendemos a passar pelo sofrimento e a acreditar apesar de toda desolação, de toda solidão e caos. Com Jesus, aprendemos que viver dói, mas a dor não tem a última palavra, como nos mostra de forma poética Ivone Boechat:
Caos
Há um momento na vida
de terror definitivo,
de fracasso tremendo,
de sangrar a ferida.
Nada rende,
não há remendo,
nem consolo,
nem saída;
luta perdida.
A lágrima não significa,
o amor cruza os braços,
a saudade diz que vai,
e fica. (Ivone Boechat)
Há momentos em que Deus parece estar distante e isso nos confunde. Levantamos questões à nossa fé e algumas vezes chegamos até mesmo a negá-la. A experiência da dor, do abandono e da solidão nos faz perguntar como Jesus: "Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?" (Cf. Mt 27,46) E daí surge outra pergunta: Onde está Deus diante do meu sofrimento? Olhando para Jesus, temos a resposta. Deus está presente em todas as dores, em todos os lugares onde o coração sofre. O Deus de Jesus não é o deus impassível da filosofia, mas o Deus compassivo que passeia pela escuridão e pelas dificuldades humanas. Sua onipotência não está no poder, mas no amor. É no amor que Deus revela sua vitalidade e força.
Em Jesus temos a certeza de que Deus atravessa conosco a escuridão, Ele nos toma pela mão para "passar" conosco (Páscoa-Passagem), nos permitindo crescer, passando da infância para a maturidade na fé. No momento em que a fé parece não ter lugar, em que tudo está perdido, Deus age nos enchendo de ânimo - tem a ver com vida, com respiração, espírito de vida -, portanto, a Páscoa é essa possibilidade de acreditar que Deus atravessa conosco a existência.
Na cruz, em meio a todo sofrimento da morte, solitário e abandonado, Jesus se entrega confiantemente: "Pai, em tuas mãos entrego o meu Espirito" (Cf. Lc 23,46). Ele nos dá provas de que a confiança e a fé têm a última palavra, e não a morte. Portanto, nenhuma experiência de dor pode ser entendida sem contemplarmos a vida, a paixão e a ressurreição de Jesus.
A Páscoa é sempre um convite a atravessar a escuridão da existência, a cultivar uma dinâmica interior de morte e ressurreição. No cotidiano, confrontando-nos com nossas tristezas e alegrias, fracassos e vitórias, somos desafiados a morrer e a ressuscitar com Jesus. No desejo de que nossos dias se convertam em uma verdadeira Páscoa, aproveitemos para realizar passagens....
Passagem do cansaço para o descanso
Passagem da tensão para a leveza
Passagem da pressa para a tranquilidade
Passagem da necessidade de comer para o prazer em saborear
Passagem da escuridão para a luz
Passagem das janelas fechadas para a contemplação dos horizontes
Passagem do medo para a esperança
Passagem da dor para a alegria
Passagem do fechamento para o encontro
Passagem de uma fé alienante para uma fé libertadora
Passagem da imagem de um Deus indiferente para um Deus passional
Passagem da morte para a ressurreição.
Abraços de feliz travessia a todos!
*Ir. Paulo Soares é teólogo, atualmente coordena o setor de Pastoral do Colégio Marista Dom Silvério, em Belo Horizonte/MG, unidade educacional da Província Marista Brasil Centro-Norte/PMBCN.
Fonte: Revista Missões