Egon Heck *
Marçal, Marçal, és profeta de um novo canto, de uma Terra livre e sem quebrantos
que é compromisso dos que estão aqui.
Marçal, Marçal, tua morte só apressa o dia, em que o alto preço dessa covardia,
será cobrada pelos Guaranis. (Luis A. Passos)
Vida ceifada a três décadas não foi silenciada. Há 30 anos os Kaiowá Guarani da região de fronteira com o Paraguai lutam para ter suas terras de volta e se faça justiça com os matadores de índios e não prevaleça o império da impunidade. Marçal Tupã-y foi assassinado no dia 25 de novembro de 1983, na aldeia de Campestre, Terra Indígena Nhanderu Marangatu, município de Antonio João. A morte brutal teve repercussão no país e exterior. Marçal era uma liderança destemida na luta pelos direitos de seu povo Guarani e Kaiowá, bem como pelos direitos dos povos indígenas do país. Em 1980 fez um veemente apelo ao Papa João Paulo II, em Manaus-AM.
O fazendeiro Líbero Monteiro de Souza, apontado como mandante do crime, executado por Romulo Gamarra, faleceu no início do século, tendo sido inocentado, no julgamento realizado em Ponta Porã, dez anos após o assassinato. Em 2003 a ação prescreveu, sem que assassinos ou mandante fossem punidos.
Celebração do martírio
Assim como Sepé Tiaraju é um herói e mártir da resistência Guarani, do século XVII, Marçal é um herói, mártir da luta com seu povo, no século 20. Por ocasião dos 30 anos de seu assassinato, o povo Guarani e seus aliados estão organizando uma serie de atividades como seminários, debates, para dar visibilidade a esse assassinato e as centenas de mortes em função da terra.
Para este mês estão previstas atividades na região para celebrar a memória de Marçal, honrando sua memória, dando continuidade às suas lutas principalmente pela terra.
Uma liderança convertida pelo exemplo de Marçal foi Hamilton Lopes que dizia "Ao ver a luta de Marçal eu senti que devia assumir essa luta e me comprometia dar continuidade.E assim o fez. Andou pelas aldeias, em vários lugares do Brasil e do mundo, denunciando a violência e injustiça a que estavam submetidos os Kaiowá Guarani, principalmente a negação de suas terras. Morreu sem ver sua terra Nhanderu Marangatu, já homologada, ter sido devolvida a seu povo. Seu espírito e exemplo continuam animando a luta.
Há dois anos era assassinado o cacique Nisio Guarani, que com seu povo havia retornado à sua terra tradicional, Guaiviry. Seu corpo até hoje não foi localizado. Os assassinos continuam solto. Seu filho Genito denunciou nesta semana, na OEA (Organização dos Estados Americanos) as violências e ameaças a que continuam submetidos. "A história demonstra que a efetiva demarcação de nossos territórios é o único meio eficaz de se solucionar o estado de violência. Nenhum programa de proteção do governo irá efetivamente proteger a minha vida e de meus parentes enquanto não se repara esta dívida histórica".
Façamos deste mês de novembro uma grande celebração dos centenas de mártires e heróis Guarani Kaiowá e demais povos indígenas do país.
"Pode haver um banho de sangue a qualquer hora", afirmam os fazendeiros e agricultores acampados próximo à ponte do rio Iguatemi, nos limites da terra indígena. O cacique Rosalino, que há trinta anos vem lutando pela terra de seu povo e que participou na retomada do Pirakuá, apoiada por Marçal, e razão mais imediata de seu assassinato, lança seu clamor e pedido de solidariedade e ajuda pois estão passando por graves necessidades, principalmente de alimentos.
A solidariedade passa pela exigência da conclusão da regularização das terras e a devolução das mesmas às comunidades de Porto Lindo-YvyKatu.
Se o Ministro da Justiça diz estar com 75% de sua agenda ocupada com a questão indígena, a única forma de fazer justiça é demarcando as terras.
* Egon Heck - Povo Guarani Grande Povo - início de novembro de 2013
Fonte: Egon Heck / Revista Missões