Eu era feliz e não sabia

Ruy Martins Altenfelder Silva

As recentes manifestações lançaram uma forte luz sobre a insatisfação generalizada com os rumos do País, destacando-se a ênfase dada a alguns antigos e grandes problemas nacionais: educação, saúde e transporte públicos. No meio dos protestos, um cartaz em particular chamava a atenção, valendo como boa síntese das razões da mobilização e do descrédito em que caíram os informes oficiais sobre o bom momento que os brasileiros vivenciavam: "Eu era infeliz e não sabia".

A frase demonstra, como talvez nenhuma outra, que a sociedade já havia se acostumado com o mau uso do dinheiro público, a escalada da corrupção, o descaso com as reais prioridades nacionais, entre outras distorções, que em conjunto resultam nos péssimos serviços prestados à população. E mais: a rejeição à participação de políticos, partidos e organizações sindicais nas manifestações sinalizou, com clareza inusitada, a desconfiança com que passaram a ser vistas as instituições públicas.

Um pouco de leitura dos clássicos brasileiros, entretanto, anularia boa parte da surpresa que as manifestações provocaram. Por exemplo, Ruy Barbosa (1849-1923) já alertava que " um povo livre não está sujeito senão às leis que vote pelos seus representantes. Mas, se, com a mentira eleitoral, esbulham do povo o voto, que é a soberania do povo; se, com as oligarquias parlamentares, varrem o povo do Congresso Nacional, que é a representação do povo; se, com as dilapidações orçamentárias, malbaratam a receita do imposto, que é o suor do povo; se, com as malversações administrativas, devoram a Fazenda nacional, que é o patrimônio do povo (...), não nos espantemos de que, como aos mais lerdos muares, ou às reses mais mansas, esgotada um dia a paciência à cansada alimária, junte os pés e num corcovo, desses que nem o gaúcho nem o cossaco se aguentam, voem aos ares selas, estribos, chilenas, rebenques e cavaleiros".

Acionado o sinal de alerta, é de todo conveniente que os governantes adotem uma nova política de gastos, pautada pela ética, que manda privilegiar os anseios maiores da sociedade sobre os interesses pessoais ou corporativistas dos governantes. A mesma ética recomenda, ainda, a transparência nas ações dos Poderes Públicos e principalmente - insisto - o máximo respeito e competência no uso dos recursos públicos, que têm origem no trabalho dos cidadãos, que há muito não recebem serviços à altura dos altos impostos que pagam.

 

 

Fonte: Roberto Mattus

Deixe uma resposta

dezenove − 5 =