Cajuaz Filho *
A filosofia popular ensina verdades profundas que, às vezes, até a ciência filosófica não tem essa capacidade
Esses ensinamentos são transmitidos por meio de provérbios e máximas anônimos e de domínio público, de forma sucinta e rica em imagens.
A sociedade brasileira foi tomada de agradável surpresa (!) no mês de fevereiro por uma decisão, quase unânime, do Congresso Nacional: os senhores senadores e deputados resolveram "decretar a exoneração" dos seus famigerados 14º e 15º salários. E nós... acreditamos.
Crédulo, achou o povo brasileiro um ato de justiça para com os trabalhadores que só recebem o 13º salário e assim mesmo querem surrupiá-lo e, confiante, vibrou.
Externando a minha alegria, desculpem-me a falsa modéstia, e a de todo brasileiro, diante do inusitado acontecimento, pois os deputados e os senadores não são capazes de tão nobre gesto a não ser pressionados, escrevi um artigo, intitulado "Adeus, mordomias", comentando o fato.
Na oportunidade disse que o povo aceitava esse "gesto de grandeza, de desapego, de magnanimidade, de altruísmo e de honestidade" com "uma pulga atrás da orelha"; que "de esmola grande cego desconfia"; que "os filhos das trevas são mais espertos que os filhos da luz" e que "eles iriam dar um jeitinho" para, de novo, ludibriar o povo brasileiro.
Dito e feito!
Alegria de pobre dura pouco! Verdade! Para eles, como já foi dito hoje, é preferível a inhaca dos cavalos ao cheiro gostoso do povo, como ontem "meu reino por um cavalo", com todo respeito aos animais.
Dito e feito.
É incrível, mas tudo isto já estava orquestrado e arquitetado. Eles não são bobos. É a esperteza diabólica. Os filhos das trevas...
Assim pensavam eles: colocamos um pirulito na boca dos abestados para enganar com esta ópera bufa dos salários e depois damos-lhe o bote e o troco, pois não podemos deixar de mamar nas tetas da república, já quase sem leite de tanta corrupção, de tantas enroladas, falcatruas e outras coisas mais. Que vergonha!
Dito e feito.
No dia 21 de março, nem um mês era passado, encontraram o célebre jeitinho de burlar a credulidade do povo. Eles têm, não sei para que, uma também famigerada verba de representação que devia se acabar. Quero ver qual deles tem coragem de apresentar um projeto deste tipo! Eis a pedra filosofal! Qualquer semelhança é mera coincidência.
Os bandidos, quando a tecnologia cria um meio para dificultar suas ações delituosas, eles vão mais além. Os filhos das trevas... Inventam uma nova maneira para continuarem na prática de suas ações criminosas com mais perfeição e com mais facilidade ainda
Dito e feito.
Aconteceu no nosso Legislativo Federal da Nova República (só de nome) Brasileira um gesto de compaixão, de comiseração, de conhecimento das dificuldades por que passam seus membros e um esforço como uma pequena compensação pela perda dos minguados 14º e 15º salários (perda, dirá o povo, é uma ova. É outra coisa).
Como ação efetiva (!) e sem demora, trouxe-lhes um lenitivo para aliviar seus sofrimentos como o fez com os pobres nordestinos famintos e sedentos (?) para aliviar sua fome e sede (nós em primeiro lugar; os outros que se...) concedendo-lhes, graciosamente, um aumento substancial da verba de representação que substituiu igualmente a supressão dos salários.
Quanta criatividade! Quanta generosidade! Quanto sentimento de solidariedade! Quanta brasilidade! Quanto amor à pátria! É lindo! Disto nosso combalido Brasil precisa! Os filhos das trevas...
Dito e feito!
O poder legislativo brasileiro, em todas as áreas, na corte como nas províncias, está menosprezando e ridicularizando a inteligência do povo brasileiro. A paciência do povo, no entanto, tem limites. Casos já houve desta demonstração.
Essas atitudes deviam ser apresentadas na TV Senado e na TV Câmara como novelas senão trágicas pelo menos cômicas e desrespeitosas ao povo brasileiro fazendo-o conhecedor dessas manobras desonestas. É uma vergonha!
Como o rei Roberto Carlos, só que em outro contexto, digo aos senadores e deputados: Vocês são os caras ... de pau!
Eita Brasil bão! Viva a nova república! Viva o congresso brasileiro!
* Cajuaz Fillho é professor da Universidade Estadual do Ceará e do Instituto Federal de Educação Tecnológica.
Fonte: Cajuaz Filho / Revista Missões