8 de março, pós-modernidade, conflitos e outras alternativas...

Rossana Teresa Curioni Mergulhão

Novamente chegamos ao dia 8 de março. A lembrança do surgimento da data é inevitável. Reivindicações por melhores condições de trabalho, equiparação de salários com os homens e tratamento digno dentro do ambiente laboral. A manifestação foi reprimida. As mulheres foram trancadas dentro da fábrica, que foi incendiada. Aproximadamente 130 tecelãs morreram carbonizadas, num ato totalmente desumano. De lá para cá avançamos em alguns pontos, mas os desafios e obstáculos não são poucos e nem pequenos. A violência doméstica é inegável e não obstante à Política de Enfrentamento, ela está arraigada nos escombros culturais. A busca por condições humanas, por tratamento isonômico às mulheres continua. Velhos conflitos, enquanto outros modernos, pós- modernos, nos desafiam!

Um conflito intensificado na pós-modernidade, que atinge as mulheres diretamente não é só tema de trama novelesca, é pura e dura realidade, o tráfico de pessoas.

No último dia 26 de fevereiro, foi lançado o 2º Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, pelo Ministério da Justiça e pelas secretarias de Direitos Humanos e de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, bem como foi apresentado relatório informando as dificuldades em reunir provas, o que dificulta a punição desse tipo de crime. Diante desse quadro, uma das metas é acelerar apreciação de projetos de lei, pelo Congresso Nacional, na busca de ampliar a tipificação de crimes envolvendo o tráfico de pessoas, considerado crime invisível, mas mais freqüente e preocupante do que pensamos.

O primeiro relatório sobre esse ilícito penal, divulgado pelo Ministério da Justiça, revela que entre 2005 e 2011 foram instaurados 514 inquéritos pela Polícia Federal, sendo que 344 são relativos a trabalho escravo e 13 a tráfico interno de pessoas. No mesmo período, houve 381 indiciamentos, enquanto as prisões chegaram a 158. Outro ponto importante é a falta de denúncia, resultado da vergonha ou medo das vítimas, fato que impede que as informações cheguem ao Poder Público e sem elas, não há como iniciar investigações, punir esse tipo de violência contra seres humanos. A sociedade precisa ser conscientizada sobre a ocorrência e a gravidade desse tipo de violência e a mulher um dos principais alvos, deve estar atenta. O momento histórico vivido, em que vale apenas o que leva a ser reconhecido, ser admirado, ter acesso a uma infinidade de produtos e serviços e usufruir o máximo do prazer, torna as pessoas presas fáceis, rendendo-se às falsas promessas, deixando-se enganar.

A pós-Modernidade, época de incertezas, de fragmentações, da troca de valores, do vazio, do niilismo, da deserção, do imediatismo, da efemeridade, do hedonismo, da substituição da ética pela estética, do narcisismo, da apatia, do consumo de sensações e do fim dos grandes discursos, propicia uma disponibilidade a tudo que traga resultados rápidos, sem sacrifícios e sem disciplina. O agir é movido pelo momento e pela conveniência. Não há limites para adquirir-se e ter sucesso e aí reside o grande perigo. Vivemos dias de globalização. Giddens declara para o bem ou para o mal, somos impelidos rumo a uma nova ordem global que ninguém compreende plenamente, mas cujos efeitos se fazem sentir sobre todos nós. Nesse contexto é que o ser humano se encontra e as mulheres, mais especificamente, pois ainda vive tempos de conquista de espaço, de reconhecimento como sujeito de direitos, transição entre a mulher tradicional e a mulher moderna.

As transformações das relações sociais trazem dificuldades para a construção de identidade a todos. Essas mudanças alteraram a vida e a intimidade das pessoas, modificando o modo de ser de cada um, mas acredito que, nós mulheres, somos mais atingidas por esses novos perigos, infelizmente. Dessa forma, aproveito a data para chamar a atenção para os perigos que nos rondam. Os aliciadores são pessoas muito próximas das vítimas. Não são pessoas estranhas. Por fim, nesse 8 de março contextualizado, levada pelo meu otimismo, pela esperança que me faz buscar e acreditar a cada dia em momentos melhores, cumprimento todas as Mulheres, que realmente vivenciam a natureza feminina; que encarando o dia-dia profissional não perdem a ternura; para aquelas que conosco buscam ocupar o seu lugar, mas cientes de que poderão conservar seus próprios valores, não sendo obrigadas a adotar os da maioria masculina. Espero que o crescimento do número de mulheres em lugares anteriormente só ocupados por homens contribua para que os valores femininos mais e mais estejam presentes no campo profissional, aumentando a compreensão e a solidariedade.

A globalização, o uso das tecnologias e da automação no trabalho, como tudo tem dois lados. O ruim acima exposto também descortina um outro, o bom. Faz surgir um espaço de trabalho diferenciado, cuja essência é o contato humano, ocupações como supervisão, entretenimento, fazer companhia às pessoas e ouvi-las, cuidar delas, ajudá-las material e espiritualmente são um bom exemplo dessas novas tarefas. Nessas funções, apesar dos avanços tecnológicos, a sociedade requer atributos mais femininos como a paciência, a atenção e a intuição. Desse modo, é necessário que a mulher esteja pronta para preencher essas funções. Para novos tempos, nós mulheres devemos ocupar os nossos lugares na história e chamamos também, os homens, para que transformem o discurso de opressão em discurso de respeito a uma nova mulher!

A autora, Rossana Teresa Curioni Mergulhão, é magistrada, mestre em Direito, pós-graduada em Antropologia e docente

 

Fonte: www.jcnet.com.br

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