Mais um cidadão negro chega ao topo

Joaquim Gonçalves *

Há marcas culturais, encaixadas na mentalidade, difíceis de mudar.

Depois de séculos de caminhada lenta e difícil, finalmente, vemos um cidadão negro numa das mais altas cadeiras da república. Quando o ex-presidente Lula foi eleito, sobretudo, mais fruto de sua teimosia do que da convicção do partido, não só a grande mídia se sentiu decepcionada, como muitos eclesiásticos. Escutei conversas de pessoas amarguradas que repetiam: "chegou a maior desgraça do Brasil". Quem não estava habituado a viver no meio do povão não conseguia ver o significado dessa eleição. Como o povo pensava também eu , que, depois de anos de vida nas periferias, tinha chegado a hora da esperança e do acerto pacífico para sair das malhas da rede, cortando alguns dos nós.

Agora que vemos chegar o filho de uma família pobre à cadeira de grande responsabilidade do Judiciário, sem ter passado pela lei das cotas e tendo chegado ao mais alto grau de formação, é para enchermos os pulmões de ar novo, respirar fundo e resolver o problema dos habituais protecionismos judiciários dos privilegiados. Joaquim Barbosa não é apenas um homem vestido com uma toga, mas um símbolo de mudança e uma esperança para uma forma de democracia mais realista e menos camuflada. Agora esperamos que a grande mídia, querendo exibir sua destreza e capacidade de ridicularizarão indireta, não vá atrás de picuinhas para diminuir o significado desta ascensão de um cidadão que decidiu percorrer o caminho tradicionalmente reservado aos descendentes de elite.

Passo a passo, a democracia vai se concretizando.

* Joaquim Gonçalves, imc, é diretor da Revista Missões.

Fonte: Joaquim Gonçalves / Revista Missões

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