MP 579 e os apagões elétricos

Heitor Scalambrini Costa *

Mesmo com os reclamos e a gritaria, foi quase que total a adesão das empresas de energia elétrica à renovação dos contratos de concessão dentro das novas regras contidas na Medida Provisória (MP) nº 579, publicada em 11 de setembro, que trata não somente das concessões de geração, transmissão e distribuição de energia, mas também sobre a redução de encargos setoriais, a modicidade tarifária, entre outras providências. No caso para renovar as concessões por até 30 anos, as empresas cujos contratos venceriam entre 2015 e 2017 terão que aceitar uma redução ainda não conhecida oficialmente do preço cobrado por seus serviços. As novas tarifas para concessionárias de geração e transmissão que apresentaram pedido para renovar as concessões, assim como as indenizações serão detalhadas por empresa, e sairão por meio de portaria do Ministério de Minas e Energia.

Fazem parte do universo das empresas, 123 geradoras de energia, que somam uma capacidade instalada de 20.000 megawatts (MW), equivalente a 20% do parque gerador brasileiro; 44 distribuidoras que dominam 35% do mercado consumidor; e 9 transmissoras, proprietárias de 85 mil quilômetros de linhas, ou 67% da rede do Sistema Interligado Nacional. Somente na geração não houve adesão total, pois 14 geradoras não aderiram.

Mesmo sabendo que o governo há pelo menos 4 anos já discutia no âmbito de um grupo de trabalho a renovação das concessões, lamentavelmente, ainda apareceram agora tantas dúvidas e questões indefinidas que podem levar a questionamentos jurídicos. O que vem demonstrar mais uma vez a falta de transparência existente no setor elétrico.

No contexto das insatisfações geradas pela medida provisória, é importante mencionar o movimento de sindicalistas ligados a CHESF, dirigido para o que chamaram de "defesa da empresa". Alertam na Carta aos Deputados e Senadores à possível destruição e o desmonte das estatais de geração, caso aceitem as regras impostas. E que irão definir o valor das tarifas e as indenizações das empresas. No caso da CHESF afirmam que aceitando reduzir o custo do MWh abaixo de R$ 67,00/MW, o esvaziamento da empresa será eminente, comprometendo irreversivelmente sua contribuição social e cultural para a região; além de afetar as áreas de manutenção, modernização das instalações, benefícios aos empregados, entre outras. Não entrando no mérito da importância da empresa e da qualificação técnica de seus funcionários para a região Nordeste, algumas considerações merecem ser feitas.

A meu ver, existe um debate equivocado promovido pelos sindicalistas inflados por interesses da empresa, políticos e corporativistas. Concentrar mobilização, contra a tentativa e os esforços do governo federal em diminuir as tarifas elétricas para o consumidor final, é um erro estratégico, mesmo que afirmem o contrário. Entendo como alerta do referido documento, que a redução na receita da empresa poderá agravar a qualidade no fornecimento de energia, e não como uma ameaça velada, que pode ser entendida por outros.

O que se estranha é que quando a Chesf e as outras empresas vendiam a energia produzida acima de 3 a 4 vezes os custos dispendidos na geração e operação do sistema, não se via a ação dos sindicalistas em defesa dos consumidores. Como é admitido, no caso da CHESF, a energia produzida era negociada em média a R$ 92,00/MWh, enquanto os custos estava em torno de pouco mais de R$ 20,00/MWh. As demonstrações financeiras e relatórios anuais da administração da empresa publicados nos jornais comprovam os lucros desproporcionais e descabidos frente à realidade econômica do país, contribuindo sem dúvida para a explosão tarifaria. Claro que este não foi, e é o único motivo do Brasil estar no top 5 das maiores tarifas do mundo.

Também, o fato da geração de energia da Chesf depender quase que exclusivamente (95%) das hidroelétricas ao longo do Rio São Francisco, e seus dirigentes nada terem feito ao longo dos anos de "vaca gorda" para a diversificação desta matriz elétrica; aproveitando os recursos: eólico e solar abundantes na região, mostram o quanto ela errou na sua estratégia de oferta e complementaridade de energia. E hoje esta dependência das hidroelétricas torna a garantia do fornecimento elétrico vulnerável às condições meteorológicas, e favorecem o uso de termoelétricas (gás natural, diesel e óleo combustível), altamente poluentes e caras. Para alivio dos empresários do setor.

Para a remuneração dos ativos, que ainda não está decidido, sem dúvida deverá ser levado em conta os interesses do equilíbrio econômico e financeiro da companhia. Hoje as empresas do setor elétrico indistintamente pagam o preço da falta de transparência na tomada de decisões, que sempre foi e continua sendo antidemocrático e autoritário. Pois, como dito, mesmo uma comissão "de alto nível" há 4 anos se debruçando sobre a questão das concessões, pouco se sabia o que estava sendo discutido e decidido. E aí, caros sindicalistas, a luta sindical, deve ser concentrada na questão da democracia e transparência do setor elétrico.

Com os 3 grandes apagões ocorridos nos últimos 60 dias, depois da publicação da MP (22 de setembro, 3 de outubro e 25 de outubro), surgiram sempre hipóteses (descartada e pelas autoridades) de sabotagem. Alguns "visionários" e alarmistas viram nestes episódios a possível ação contrária a MP.

Não se pode dar muita atenção as conjeturas sobre uma possível conexão entre os apagões recentes, e o anúncio do governo federal em fazer uma mudança na estrutura de cobrança das tarifas das geradoras e transmissoras de energia, com a finalidade de baratear a energia paga pelo consumidor final. Mesmo sendo estranho e anormal a ocorrência destes eventos, devemos lembrar que outros apagões se sucederam mesmo antes da MP.

Outro aspecto a ser considerado nestes tempos de apagão, foi sua utilização político-partidária, criando junto à população o medo, receio, e o descrédito em relação ao sistema elétrico nacional, com afirmações que existe uma tendência a piorar a situação. Como se para baratear o custo da energia para o consumidor, ele deve sofrer a consequência da baixa qualidade do serviço elétrico oferecido.

Este é o momento de sobriedade e tranquilidade nas criticas necessárias aos dirigentes e responsáveis do setor elétrico. A MP em questão tem muitos defeitos que devem ser corrigidos. Todavia devemos apoiar medidas que tenham como objetivo reduzir as tarifas para o consumidor, sem que se comprometa o patrimônio do povo brasileiro com medidas populistas e anunciado na véspera da eleição.

* Heitor Scalambrini Costa é professor da Universidade Federal de Pernambuco.

 

Fonte: Heitor Scalambrini Costa / Revista Missões

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